quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em ‘The Last Ship’, Sting ‘navega’ distante do pop


CD
The Last Ship (Cherrytree/Interscope/A&M Records)
2013


Resenha publicada originalmente em setembro de 2013, no TomNeto.Com.



Ex-Police edita o seu primeiro álbum de inéditas em uma década

Nos últimos dez anos, até que Sting trabalhou um bocado. Em 2004, lançou a sua (excelente) autobiografia, Fora do Tom, e rodou o mundo até o ano seguinte com a turnê batizada com o nome do livro (Broken Music). Em 2006, na companhia do músico bósnio Edin Karamazov, editou Songs From The Labyrinth, o disco de alaúde mais vendido de todos os tempos. Entre 2007 e 2008, realizou uma (surpreendente) turnê mundial ao lado do Police, que acabou gerando CD/DVD/Blu-ray ao vivo, Certifiable. Já em 2009, deixou a barba crescer e lançou o belo e introspectivo If On a Winter's Night..., composto apenas  por canções invernais. Por fim, em 2010, acompanhado por uma orquestra sinfônica, releu o seu cancioneiro em Symphonicities, que também gerou o audiovisual ao vivo Live In Berlin. Entretanto, apenas de tanta labuta, o fato é que o último disco de inéditas do baixista — o bom Sacred Love — chegou às prateleiras em 2003. Há exatos... dez anos (!).

Rompendo o silêncio autoral, Sting — após um processo criativo que lhe rendeu quase três anos (!) de “imersão” — ressurge com The Last Ship, lançado mundialmente hoje, 24 de outubro de 2013. O trabalho, na verdade, é a trilha sonora do musical homônimo, que marcará a sua estreia na Broadway. O tema do espetáculo é a derrocada da indústria naval de Newcastle, sua cidade natal, situada ao norte da Inglaterra, ocorrida na década de 1980. E, embora a peça só entre em cartaz em 2014, o músico, com astúcia, lançou o disco um ano antes, para que o público se “familiarizasse” com as canções — a maior parte delas, de uma forma ou de outra, fala sobre rios, marés, barcos e quetais.

Ambicioso, o álbum está disponível em quatro formatos: CD simples, vinil — ambos com 12 faixas — e CD duplo com 17 ou 20 músicas.



Nenhum sinal do autor de ‘If I Ever Lose My Faith In You’ 

Primeiramente, é essencial frisar que, em The Last Ship, não há o mais remoto vestígio do pop de “If I Ever Lose My Faith In You” ou “Every Breath You Take”. Sendo assim, é recomendável que aqueles que procuram essa faceta do artista mantenham distância segura deste trabalho. O Sting que se faz presente se assemelha, na verdade, ao autor das bucólicas “Fields Of Gold” [1993] e “The Ghost Story” [1999].

Musicalmente, contudo, o disco é bem variado. A épica faixa-título, que abre os trabalhos, apresenta clara influência celta, com direito, inclusive, a gaita de fole — e o instrumento, por sinal, volta a aparecer em “Ballad Of Great Eastern” e na também celta “What Have We Got?”, dueto com o ator-cantor inglês Jimmy Nail. Curiosamente, em vários momentos do álbum, Sting, pela primeira vez em toda a sua discografia, evoca o sotaque típico de Newcastle — o chamado Novocastrian.

No quesito letra, o compositor continua afiado. O acalanto “August Winds”, estruturado em um violão de nylon, remete aos questionamentos dos versos de “Shape Of My Heart” [1993] — inclusive, volta a falar em “máscara”. Já a valsa (!) “The Night The Pugilist Learned How To Dance” é de cortar o coração: conta a estória de um jovem pugilista de 15 anos — com seu “nariz quebrado” e “orelha de couve-flor” — que decide aprender a dançar para conquistar a sua amada. Cole Porter provavelmente aprovaria.

Outro grande momento é a delicada-porém-impactante “I Love Her But She Loves Someone Else”, em que o eu-lírico é um homem de idade avançada que, confrontado com a perspectiva de sua “mortalidade”, relembra o passado e seus revezes. E conclui: “Esqueci o primeiro mandamento do manual do realista: ‘Não se deixe enganar por ilusões que você mesmo criou’...”.



Do início ao fim, alto nível lírico e musical

A primeira faixa de trabalho foi a minimalista “Practical Arrangement”, possivelmente uma das menos óbvias letras românticas já escritas no cancioneiro popular mundial. Já o segundo single de trabalho é a (espirituosa) bossa nova “And Yet”, que conta com discretas (e precisas) intervenções de seu fiel escudeiro, o guitarrista Dominic Miller. Trata-se da melhor música do disco.

Ainda que um tanto hermético, o trabalho mantém, do início ao fim, alto nível lírico e musical. E reafirma que, artisticamente, o único “compromisso” do ex-Police, prestes a completar 62 anos de idade — e ainda com a voz “em dia” — é consigo próprio. Vale lembrar, no entanto, que The Last Ship é uma trilha sonora. Portanto, seria agradável ouvir, depois de tanto tempo, um disco com canções de Sting que não estivessem “vinculadas” a uma determinada temática.



Leia também:




Veja o vídeo da bossa nova “And Yet”, segundo single de The Last Ship, extraído do programa Later... with Jools Holland...





...e também da magnífica valsa (!) “The Night The Pugilist Learned How To Dance”, em vídeo extraído do programa Le Grand Studio, da TV francesa RTL:


Jefferson Gonçalves faz o rio Mississipi desaguar no sertão



Resenha publicada originalmente em agosto de 2013, no TomNeto.Com.



CD/DVD
Encruzilhada — Ao Vivo (independente)
2013


O gaitista carioca dá continuidade à sua mistura de blues com ritmos regionais brasileiros


Dois anos após o seu mais recente trabalho, Encruzilhada, Jefferson Gonçalves reaparece com um novo álbum. Lançado de maneira independente, Encruzilhada — Ao Vivo, gravado no Centro Municipal de Referência da Música Carioca Artur da Távola, chega às prateleiras em um caprichado box contendo CD e DVD.

No repertório, composições autorais de Jefferson, como “Ar Puro”, “Teto Preto” e “Café Expresso”, que dão continuidade à instigante mistura de blues com ritmos regionais brasileiros, como o xote e o baião.

Entretanto, o músico não deixa de incluir sons do delta do Mississipi, como “CatFish Blues”, de Muddy Waters, e “Mellow Down Easy”, de Willie Dixon, além do clássico “All Along The Watchtower”, de Bob Dylan, imortalizado na versão de Jimi Hendrix. Destaque também para “Crossroads”, daquele é considerado “o papa” do gênero, Robert Johnson, em uma clara alusão ao título do álbum.

Com 23 anos de carreira, Jefferson Gonçalves mostra, em Encruzilhada — Ao Vivo, toda a originalidade da música instrumental brasileira. Vale a conferida.

sábado, 24 de agosto de 2013

Lulu opta por releituras ‘respeitosas’ das canções do Rei e do Tremendão

Em agosto de 2012, Roberto Carlos visitou o camarim do cantor carioca no show Lulu Canta e Toca Roberto e Erasmo, no Vivo Rio

CD
Lulu Canta e Toca Roberto & Erasmo (Sony Music)
2013


Resenha publicada originalmente em maio de 2013 no TomNeto.com.



Em seu segundo disco, O Ritmo do Momento [1983], Lulu Santos não fez por menos e emplacou logo três sucessos: “Um Certo Alguém”, “Adivinha o Quê?” e a canção que se tornou o seu carro-chefe eterno, o bolero-havaiano “Como uma Onda”. No ano seguinte, com Tudo Azul, consolidou de vez o status de hitmaker, com gemas pop do calibre de “Tão Bem”, “Certas Coisas”, “Lua de Mel” e... “O Calhambeque”, versão de Erasmo Carlos que ficou célebre na voz de Roberto Carlos. Foi também neste álbum que Lulu lançou uma de suas faixas mais emblemáticas, “O Último Romântico” — que fez com que o cantor carioca passasse a ser identificado como “o roqueiro romântico”, “sucessor de Roberto Carlos” e classificações do tipo. Desconfortável com o rótulo, Lulu decidiu “subverter as regras do jogo”: em 1985, lançou o ácido e roqueiro Normal, que acabou não sendo compreendido pelo público e teve pouca repercussão. Mas com o qual o artista logrou a intenção de “desconstruir” a imagem de “romântico”.

No entanto, o mundo gira e a Lusitana roda. E eis que, 28 anos após Normal, Lulu Santos, aos 60 anos de idade e 31 de carreira, finalmente abraça a obra da dupla — que inequivocamente exerceu influência em seu trabalho — no recém-lançado Lulu Canta e Toca Roberto & Erasmo, decorrente do show homônimo que percorreu algumas capitais brasileiras em 2012. 

Se, em 1995, Lulu gravou, na companhia do DJ Marcelo “Memê” Mansur, uma desconcertante versão de “Se Você Pensa”, desta vez optou por uma abordagem “respeitosa” dos clássicos dos autores de “Detalhes”. A capa do CD, na qual o guitarrista veste um terno impecavelmente cortado, dá um indício de seu conteúdo. A própria “Se Você Pensa”, aliás, reaparece “comportada” — mas, ainda assim, emulando, em um determinado momento, o canto falado da versão anterior. 



Apesar da ‘reverência’, pequenas ‘ousadias’ 

Provavelmente recorrendo à sua memória afetiva, Lulu concentrou sua atenção nas canções lançadas até a primeira metade da década de 1970. E, oscilando entre o blues e o rock tradicional, foi feliz na escolha do repertório, que conta com “É Preciso Saber Viver”, “As Curvas da Estrada de Santos”, “Sentado À Beira do Caminho” — a melhor faixa do disco, na qual o cantor não poupou a emoção que a canção pede — e a impagável “Sou uma Criança, Não Entendo Nada”, entre outros. A única exceção — e também a música mais “recente” do álbum — é “Emoções” [1981], que, sinceramente, de tão cristalizada na voz de Roberto, não deveria ser regravada por ninguém...

Apesar da opção por releituras “reverentes” das canções de Roberto e Erasmo, Lulu não deixou de cometer pequenas “ousadias”, como a versão reggae de “Eu te Darei o Céu”, na qual executa boa parte da melodia com sua guitarra. E nas alterações de ritmo de “Quando” e de “Não Vou Ficar” — canção de Tim Maia que, lançada por Roberto Carlos em 1969, abriu portas para o Síndico.

Antes de Lulu Santos, apenas Maria Bethania, há exatos 20 anos — com o ótimo As Canções que Você Fez para Mim — havia recebido a deferência de gravar um álbum inteiro dedicado à obra de Roberto e Erasmo Carlos. E todos os artistas que já tentaram regravar faixas da dupla sabem de toda a “burocracia” envolvida na empreitada. E, embora nenhuma das versões de Lulu supere as originais — convenhamos: abordar clássicos de 40, 50 anos não é exatamente uma tarefa fácil —, Lulu Canta e Toca Roberto & Erasmo não deixa de representar uma lufada de ar fresco em um dos mais importantes cancioneiros nacionais. Trata-se, portanto, de um trabalho digno da discografia do músico carioca. E à altura dos homenageados.




Leia também:





Ouça “As Curvas da Estrada de Santos”, com participação da cantora Késia Estácio...




...e também a bela “Sentado À Beira do Caminho”:

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Descontados pequenos equívocos, Clapton mostra competência como intérprete e arranjador


CD
Old Sock (Universal Music)
2013


Resenha publicada originalmente em abril de 2013 no TomNeto.com.



Do alto de mais de meio século de carreira, Eric Clapton deixou, há muito, de ser “apenas” o segundo maior guitarrista de rock de todos os tempos, perdendo apenas para Jimi Hendrix — e talvez dividindo o posto com o seu colega de Yardbirds, Jimmy Page, ex-Led Zeppelin. Com o passar dos anos, Clapton tornou-se um bom arranjador e um intérprete convincente. Ao longo de sua trajetória, regravou canções de Bob Dylan, Stevie Wonder e até Michael Jackson (!), entre outros. E é justamente esta faceta que God quis evidenciar em 21º trabalho solo, o recém-lançado Old Sock, que chega às prateleiras três anos após o seu disco mais recente, o (bom) Clapton.

O título, Old Sock (“meia velha”) foi inspirado em uma expressão que o músico ouviu recentemente de David Bowie. E remete àquela roupa surrada, mas confortável como nenhuma outra — da qual ninguém gosta de desfazer. Esta é justamente a intenção de Clapton com este álbum: apresentar canções alheias que sempre fizeram parte de sua vida.

A bem da verdade, o disco não começa propriamente inspirado, com “Further Up Down The Road”, do bluesman americano Taj Mahal — e com participação do próprio —, em ritmo de reggae. Mahal, por sinal, também colaborou em duas faixas do CD ao vivo que Clapton dividiu com o saxofonista Winton Marsalis em 2011. A canção seguinte, “Angel”, do parceiro de longa data J. J. Cale, autor de “After Midnight” e do hit “Cocaine” — e que participa da gravação — deixa melhor impressão.

Curiosamente, as duas outras notas dissonantes do disco também estão relacionadas ao reggae: nas releituras “Till Your Well Runs Dry”, de Peter Tosh, e “Your One And Only Man”, soul originalmente gravado por Otis Redding. Clapton, aliás, já foi mais feliz ao se aproximar da música jamaicana — como, por exemplo, na regravação de “I Shot The Sheriff”, de Bob Marley. 

De resto, contudo, Old Sock coleciona acertos.



Ao lado de Paul McCartney, Clapton brilha em ‘All Of Me’

Mostrando versatilidade, Clapton se aventura pelo country — “Born To Lose” e o clássico “Goodnight Irene”— e regrava, na companhia de Stevie Winwood no órgão Hammond, “Still Got The Blues”, o maior sucesso solo do ex-guitarrista do Thin Lizzy, Gary Moore, falecido em 2011. A exemplo do que fizera em seu álbum anterior, Clapton volta a resgatar standards como “The Folks Who Live On The Hill” e a magistral “Our Love Is Here To Stay”, de George Gershwin, que fecha o álbum.

A cereja do bolo, entretanto, é “All Of Me”. Retribuindo a “canja” que Clapton deu em duas faixas de seu mais recente trabalho, o ótimo Kisses On The Bottom [2012], Paul McCartney assume o baixo e os backing vocais do clássico norte-americano, em uma versão simplesmente irretocável. E, no sentido de evitar que o disco soasse exclusivamente revisionista, EC incluiu duas inéditas: “Every Little Thing” e a ensolarada “Gotta Get Over”, com participação de Chaka Khan nos vocais.

O íntimo e despretensioso Old Sock provavelmente não figurará na galeria de títulos essenciais da discografia de Eric Clapton. No entanto, descontados os pequenos equívocos, trata-se de álbum marcado pela competência de um músico de múltiplos talentos. E de audição extremamente agradável.



Leia também:








Ouça “Gotta Get Over”, uma das duas inéditas de Old Sock...






...e a versão do standardAll Of Me”, com Paul McCartney no baixo e nos backing vocais:

Esbanjando técnica, Biglione relê, ao vivo, Jobim, Bonfá e Charlie Parker


CD
The Gentle Rain — Victor Biglione Trio ao Vivo (Rob Digital)
2013


Resenha publicada originalmente em abril de 2013 no TomNeto.com.



Ao longo de sua (extensa) carreira, o guitarrista argentino-praticamente-carioca Victor Biglione gravou ao lado de nomes como Cássia Eller, Marcos Valle, Wagner Tiso e o ex-Police, Andy Summers, entre outros. E acaba de lançar o seu trigésimo (!) disco solo, The Gentle Rain, gravado ao vivo.

(Bem) acompanhado por Sérgio Barrozo (baixo acústico) e André Tandeta (bateria), Biglione esbanja técnica em oito fonogramas gravados durante apresentações entre 2000 e 2010 em solo carioca. Com acentuado toque jazzístico, The Gentle Rain apresenta clássicos como “Take Five”, de Paul Desmond, e “Au Privave”, de Charlie “Bird” Parker, além de “Batida Diferente”, de Durval Ferreira e Mauricio Einhorn. 

A faixa-título, composta por Luís Bonfá — parceiro de Antonio Carlos Jobim em “Correnteza” —, foi a música-tema do filme homônimo [1966], que, desde então, recebeu versões de Diana Krall e Tony Bennett, entre outros. O mencionado Jobim, aliás, é o autor mais evidente do álbum — presente em três faixas do trabalho: “Por Causa de Você” (composto com Dolores Duran), “Eu Sei que Vou te Amar” (com letra de Vinícius de Moraes) e “Wave”.

Curiosamente, a capa de The Gentle Rain foi concebida por um artista que, a exemplo de Biglione, também é radicado há muito anos no Rio de Janeiro: o cartunista uruguaio Lan.



Ouça a versão de “Wave” do Victor Biglione Trio:


Livro mostra que Victor Biglione já é ‘de casa’

Livro
O Guitarrista Victor Biglione & a MPB, de Euclides Amaral (Esteio Editora)
2011/2013


Resenha publicada originalmente em abril de 2013 no TomNeto.com.



Residente no Rio de Janeiro há meio século, Victor Biglione tem a sua proximidade com a música brasileira destrinchada em O Guitarrista Victor Biglione & a MPB, escrito por Euclides Amaral. Com prefácio do compositor Sérgio Natureza e nota do pesquisador Ricardo Cravo Albim, o livro foi editado originalmente em 2011 e recebe agora uma versão revista e ampliada.

Minucioso, Amaral refaz, em 221 páginas amplamente ilustradas — com fotos e partituras —, toda a trajetória profissional de Biglione, nascido em Buenos Aires e torcedor do San Lorenzo, o mesmo time do Papa Francisco I.

Antes de vir para o Rio — onde se estabeleceu em definitivo —, a família Biglione deixou a capital argentina para morar em São Paulo. Mais tarde, o músico transferiu-se para os Estados Unidos, para estudar na Universidade de Berklee, levando debaixo do braço uma carta de recomendação assinada por um certo... Antonio Carlos Jobim.

De volta ao Brasil, o guitarrista passou a acompanhar, em estúdio e apresentações ao vivo, nomes como Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethania, Gal Costa e Djavan, entre outros. O Guitarrista Victor Biglione & a MPB não deixa dúvidas: o músico estrangeiro com mais colaborações em shows e gravações de artistas brasileiros já é, definitivamente, “de casa”.

sábado, 20 de abril de 2013

Roberto Carlos, ‘o cara’


Resenha de show
Data: 14 de dezembro de 2012
Local: Ginásio do Maracanãzinho — Rio de Janeiro


Originalmente publicado no TomNeto.com em dezembro de 2012.




Orgulhoso de seu passado, mas olhando para a frente, RC já entra no palco com ‘o jogo ganho’

Eventualmente, Roberto Carlos é “acusado” de fazer, há décadas, “o mesmo show”, com “as mesmas músicas”. Uma análise mais atenta desmonta completamente essa teoria. Foi, aliás, o que RC provou, mais uma vez, diante de 11 mil pessoas, na apresentação realizada na noite de sexta-feira, 14, no ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro.

É bem verdade que, há muitos anos, o cantor faz a sua (triunfal) entrada no palco ao som de “Emoções”. Entretanto, o fato é que, por mais que o espectador já tenha visto dezenas de vezes, a cena é sempre impactante. Sempre. Os passos lentos. O sorriso aberto. O gesto de reverência à plateia. Enfim, no momento em que Roberto se aproxima do pedestal do microfone para cantar o primeiro verso (“Quando eu estou aqui / eu vivo esse momento lindo”) já está com o público na mão, apesar de quase uma hora e meia de atraso, devido a uma gravação para o Domingão do Faustão. Humilde, pediu “perdão” aos presentes e agradeceu pela paciência. Mas frisou, bem-humorado: “Não foi por minha culpa!”.

Assim como “Emoções”, duas que jamais estão ausentes do repertório dos shows do artista são “Detalhes” — em uma versão que começa com RC sozinho ao violão — e, sendo o homem de fé que sempre foi, “Jesus Cristo”, com seus “metais em brasa”, que encerra o show. Fica a pergunta: as pessoas que apreciam o seu trabalho conseguiriam conceber uma apresentação de Roberto sem estas três canções? Ou um show de Paul McCartney sem “Band On The Run”, “Hey Jude” e “Yesterday”? Ou um espectáculo dos Rolling Stones sem “Start Me Up”, “Brown Sugar” e “Jumpin' Jack Flash”? 

Esta é a questão.

Além das três citadas, existem outras que foram retomadas por Roberto Carlos há cerca de dez anos e que não saíram mais do seu set list. É o caso de “Além do Horizonte”, agora com claros ecos de bossa nova — diferentemente da versão original, de 1975, que flertava despudoradamente com o samba-rock. E também a pulsante versão de “Eu te Amo, te Amo, te Amo”, a infalível “Como É Grande o meu Amor por Você” e a homenagem de “Mulher Pequena”, que está longe de ser um de seus clássicos, mas é recebida com respeito pelo público — que sabe muito bem o que esta música significa para o cantor. 

Enfim, excluindo as canções “cativas”, várias músicas foram excluídas do roteiro. É o caso de “Amor Perfeito”, “É Preciso Saber Viver” e “Outra Vez”, entre outras. No lugar destas, entraram “Lady Laura” — em memória da mãe de Roberto, que faleceu em 2010 —, “Cama e Mesa”, a belíssima “Nossa Senhora”, “Desabafo” e a sentida “O Portão”.

O que prova que, ao seu estilo ponderado e criterioso de trabalhar — e, claro, sem mexer naquelas que não pode deixar de cantar —, Roberto Carlos altera com frequência o seu repertório, sim.



A versão eletrônica de ‘Fera Ferida’

Por sinal, apesar de (merecidamente) orgulhoso da sua obra que construiu ao lado de Erasmo Carlos, RC aparenta estar interessado em olhar para a frente. Não deixou de cantar “Furdúncio”, o seu (surpreendente) funk melody (!) lançado este ano. E revelou, no palco, que lançará, em 2013, um CD chamado Reimixes, no qual vários Djs irão “desconstruir” algumas de suas canções. E chamou ao palco o DJ Marcelo “Memê” Mansur para que o acompanhar em uma versão de “Fera Ferida” que empolgou o Maracanãzinho. Ver Roberto Carlos cantando sobre a base eletrônica de Memê foi simplesmente... de cair o queixo. “Nunca imaginei que, um dia, alguém faria algo assim com a minha música”, contou, sorrindo. Ah, esteja certo ninguém imaginaria, Roberto — e, principalmente, que você concordaria com a ideia.

Apesar da excelente resposta da plateia para “Fera Ferida”, a canção mais aplaudida da noite foi, sem dúvida alguma, “Esse Cara Sou Eu”, a primeira faixa inédita de Roberto em três anos. Música-tema do casal protagonista da novela Salve Jorge, “Esse Cara...” foi precedida por uma explicação do autor sobre a sua gênese. E interpretada de modo... impecável. Apesar de lançada em novembro, pode ser considerada a música do ano de 2012. O que confirma que “quem é Rei”... bem, vocês sabem.

Vale destacar um momento extra-musical: excepcionalmente, foram colocados à venda ingressos mais baratos, em um setor batizado de “arquibancada visão parcial” — à direita e à esquerda —, no qual o cantor era visto apenas de lado, quase de costas. Sabendo disso, RC, ao longo do show, inúmeras vezes cantou olhando para as pessoas situadas nesta direção — que deliravam. Exemplo de grandeza e sensibilidade de um artista ciente da dificuldade enfrentada por parte significativa de seu público para vê-lo ao vivo.

Aos 71 anos, com a voz nos conformes e ótima aparência — durante as músicas sensuais, como “Os Seus Botões” e “O Côncavo e O Convexo”, ele abusa do gestual e arranca gritinhos da plateia feminina —, Roberto Carlos finalmente assumiu: ele é realmente “o cara”.




Repertório:

* Overture
* Emoções (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1981)
* Eu te Amo, te Amo, te Amo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1968)
* Além do Horizonte (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1975)
* Cama e Mesa (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1981)
* Detalhes (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1971)
* Desabafo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1979)
* O Portão (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1974)
* Lady Laura (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1979)
* Nossa Senhora (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1993)
* Mulher Pequena (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1992)
* Fera Ferida (com participação do DJ Marcelo “Memê” Mansur) (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1982)
* Medley, com texto de Ronaldo Bôscoli (1928 — 1994): Seu Corpo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1975) / Café da Manhã (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1978) / Os Seus Botões (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1976) / Falando Sério (Maurício Duboc — Carlos Colla, 1977) / O Côncavo e o Convexo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1983)
* Esse Cara Sou Eu (Roberto Carlos, 2012)
* Furdúncio (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 2012)
* Medley: É Proibido Fumar (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1964) / Namoradinha de um Amigo Meu (Roberto Carlos, 1966) / Quando (Roberto Carlos, 1967) / E Por Isso Estou Aqui (Roberto Carlos, 1967) / Jovens Tardes de Domingo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1977) / Emoções (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1981)
* Como É Grande o Meu Amor por Você (Roberto Carlos, 1967)
* Jesus Cristo (Roberto Carlos — Erasmo Carlos, 1970)

sábado, 13 de abril de 2013

‘Celebration Day’: a ‘enciclopédia do rock’ do Led Zeppelin



DVD/CD/Blu-Ray
Celebration Day (Warner)
2012


Originalmente publicada no TomNeto.com em dezembro de 2012.



No dia 10 de dezembro de 2007, os três sobreviventes do Led Zeppelin — Jimmy Page, Robert Plant e John Paul Jones — reuniram-se para uma única apresentação, em memória do turco Ahmet Ertegun, fundador e presidente da Atlantic Records, na qual o quarteto gravou seus primeiros álbuns. E somente agora, cinco anos depois (!), o concerto realizado na arena O2, em Londres, diante de 18 mil sortudos — que esgotaram os ingressos em questão de horas — é lançado em CD, DVD e Blu-Ray, com o título de Celebration Day.

Nos primeiros momentos do audiovisual, que foi exibido recentemente nas salas de cinema, alguns detalhes saltam aos olhos e ouvidos. Jimmy Page, ao invés das madeixas negras de outrora, ostenta cabelos que mais se assemelham a flocos de algodão. John Paul Jones, hoje um senhor de idade, abandonou a longa cabeleira e usa atualmente um penteado “comportado”. Já Robert Plant, embora tenha aderido ao cavanhaque, conserva os cachos dourados e o carisma que ajudaram a torná-lo famoso. Sua voz, entretanto — embora dê conta do recado —, já não possui o viço e o alcance dos áureos tempos. E, nas baquetas, no lugar do finado John “Bonzo” Bonham, estava o seu filho, Jason. 

Esses pormenores, no entanto, são irrelevantes. Nos acordes iniciais da bombástica “Good Times, Bad Times”, que abre o espetáculo, não resta a menor dúvida: é o Led Zeppelin, monstruoso — na melhor acepção da palavra — que está ali, em carne e osso, com a técnica instrumental de sempre. Apenas os quatro no palco. 

E é mais do que o suficiente.



Em 2007, Page lamentou que a banda não tenha entrado em turnê

Em duas horas — até o grand finale, com Rock And Roll, o grupo faz um resumo de sua (brilhante) obra, sem poupar cavalos-de-batalha como “Whole Lotta Love” e “Black Dog”, entre outros. E não deixa pedra sobre pedra. “Stairway To Heaven”, obviamente, não ficou de fora — por sinal, no seu (inacreditável) solo de guitarra, Page periga fazer com que muito marmanjo vá às lágrimas.

Além dos clássicos, destaque para a sequência de blues, na qual a banda enfileirou “In My Time Of Dying”, “Trampled Under Foot”, “Nobody s Fault But Mine”, “No Quarter”, “Since I ve Been Loving You” e “Dazed And Confused”, em execuções simplesmente demolidoras. 

Vale destacar também a performance de Jason Bonham — que, decididamente, não ocupou o posto de seu pai apenas por uma questão de DNA. O cidadão, de fato, toca muito — no final de “Kashmir”, por exemplo, ele rouba a cena. E, ao longo da apresentação, recebeu o afeto dos três veteranos, que voltavam-se para ele a todo momento. 

Diferentemente da reunião do Police, em 2007, na qual Sting, Andy Summers e Stewart Copeland não conseguiam disfarçar no palco a falta de intimidade entre eles — provavelmente por resquícios dos conflitos do passado —, os integrantes do Led Zeppelin interagiram o tempo todo, sorrindo em vários momentos. Pareciam estar ali por puro prazer, orgulhosos daquele momento. E de sua trajetória como um todo.

Em entrevista recente, Jimmy Page revelou o seu desapontamento pelo fato de a banda não ter entrado em turnê após o concerto de 2007. É realmente de se lamentar. Entretanto, apesar de meia década de atraso, Celebration Day lega para a eternidade um registro essencial não apenas da história do Led Zeppelin, mas do próprio rock'n'roll. Aliás, para quem desconhece o gênero e tem curiosidade em descobrir, trata-se de uma verdadeira enciclopédia.

Resumindo: compre ontem. E assista de joelhos.




Veja o vídeo de “Black Dog...





...e de “Kashmir”, na qual o baterista Jason Bonham simplesmente “quebra tudo”: