quarta-feira, 19 de maio de 2010

George Michael: o (quase) Rei do Pop



DVD
Live In London (Sony Music)
2010


Resenha originalmente publicada em abril de 2010, no TOM NETO.COM.


Em seu primeiro DVD, cantor mostra que poderia ter ido ainda mais longe – se não fossem os percalços

Em 1987, ao lançar Faith, seu primeiro álbum após o fim do duo Wham!, George Michael simplesmente quebrou tudo. Vendeu quinze milhões de cópias e gerou singles de sucesso como “I Want Your Sex”, “Kissing a Fool” e a faixa-título, entre outros. Foi, provavelmente, a mais séria ameaça ao reinado pop de Michael Jackson. George, entretanto, tinha outros planos para seu segundo disco solo.

Lançado em 1990, Listen Without Prejudice, é um trabalho introspectivo, no qual o artista tentou se desvencilhar da imagem de sex symbol. Tal “insolência” causou insatisfação na sua então gravadora, a Sony Music, e uma ação judicial que deixou o cantor “na geladeira” durante seis anos. Somem-se a isso os recentes escândalos (homos)sexuais, e pode-se ter uma ideia do quão... er, turbulenta tem sido a trajetória de GM.

De modo que o seu primeiro DVD, o duplo Live In London, também disponível em blu-ray – mas não em CD –, acaba colocando as coisas “nos seus devidos lugares”. Gravado nos dias 24 e 25 de agosto de 2008 (!), o espetáculo fez parte da turnê 25 Live – anunciada como a última de sua carreira –, que promoveu a coletênea Twenty Five.

Na arena londrina de Earls Court absolutamente lotada, George Michael, acompanhado de um impecável aparato de som, luzes e telões, resumiu a sua discografia de maneira generosa. E o show começa o pé direito, com a bela “Waiting (Reprise)”: a canção (“Há um caminho de volta para todo homem / Por isso estou aqui (...) / Será tarde demais para tentar de novo? / Aqui estou eu”) é entoada em off até o último verso, quando o cantor faz a sua entrada triunfal.

O repertório incluiu desde hits do Wham! – como “Everything She Wants”, “I'm Your Man” e até o seu maior êxito, a renegada “Careless Whispers”, que ele recusou-se a cantar ao vivo durante anos – até os seus sucessos solo – como “Freedom '90” e “Fastlove”. E não esqueceu (boas) faixas recentes como “Amazing”, “Flawless (Go To The City)” e “My Mother Had a Brother”, que fala sobre o tio de George – também gay –, que suicidou-se exatamente no dia em que ele nasceu.


Em ‘Shoot The Dog’, o momento polêmico do show

Um tanto distante da imagem de galã – não ostenta mais o topete de vinte anos atrás –, George Michael ainda é um grande artista em cima de um palco. Experiente – tinha 45 anos na ocasião da gravação –, teve astúcia para alternar números dançantes, como “Too Funky” e “Outside” – na qual, a exemplo do debochado clipe, vestiu-se de policial –, com momentos mais suaves, como as tristonhas “A Different Corner”, seu primeiro single solo, e “You Have Been Loved”, que mostra no telão imagens de pessoas próximas ao cantor que já faleceram.

Como intérprete, ainda mostra grande competência. Mas claramente passou a evitar os falsetes – outrora uma de suas marcas registradas...

Destaque para a lânguida “Father Figure”, a arrepiante versão gospel de “One More Try” – que já havia sido lançada como lado B de um single em 1996 – e uma versão demolidora de “Spinning The Wheel”, que não deixou pedra sobre pedra. Em “Shoot The Dog”, o momento polêmico do show: um cachorro inflável “vestido” com as cores da bandeira do Reino Unido parece fazer sexo oral em um enorme boneco (igualmente inflável) de George W. Bush...

No DVD 2, há o documentário I'd Know Him a Mile Off, que mostra os bastidores da turnê, além de três faixas bônus: “Precious Box”, “Jesus To A Child” e “First Time Ever”.

Em suma, Live In London é um excelente DVD de um autor pop – digam o que disserem – do calibre de um Elton John. E que faz pensar aonde George Michael poderia ter chegado, se não fossem os... tropeços. Para coroar sua “volta por cima”, falta apenas um álbum de inéditas, o primeiro desde Patience, de 2004. Mas isso talvez seja pedir demais...



Veja os vídeos de “A Different Corner”...



...da versão “gospel” de “One More Try”...



...de “Father Figure”...




...e de “Spinning The Wheel:

Da série ‘Discos para se Ter em Casa’: ‘Songs From The Last Century’, de George Michael


CD
Songs From The Last Century (Virgin)
1999

Originalmente publicado em março de 2010, no TOM NETO.COM.


Na virada do século, cantor arriscou-se em um repertório de ‘standards’. E saiu-se muito bem

Em 1999, George Michael decidiu “se presentear” com um projeto especial: um disco de crooner. E não fez por menos: no repertório de Songs From The Last Century, o cantor inglês reúne, em sua maioria, imorredouros standards norte-americanos. E o que poderia resultar em um desastroso “turismo aprendiz”, acabou rendendo um CD classudo, com um indisfarçável acento jazzístico.

Cantando simplesmente o fino na ocasião, GM não se intimidou diante do risco de reler faixas eternizadas por monstros sagrados como Frank Sinatra e Nina Simone. Aventurou-se, inclusive, em arranjos de big band, como é o caso de “My Baby Just Cares For Me”, “Secret Love” e “Brother Can You Spare A Dime?”. E saiu-se muito bem.

Songs From The Last Century foi produzido pelo experiente Phil Ramone, que já pilotou álbuns de artistas do calibre de Ray Charles, Quincy Jones, Bob Dylan e do já mencionado Sinatra, entre outros. E, com ele, era clara a intenção de George Michael de se distanciar ainda mais da imagem do rebolativo cantor de “Faith”.

Como recomendou o próprio George, no título de seu segundo álbum solo, de 1990: ouça sem preconceito.

‘Brother Can You Spare A Dime?’, ‘Roxanne’ e ‘You've Changed’

Brother Can You Spare A Dime?

Brother Can You Spare A Dime?”, escrita em 1931, foi uma das mais conhecidas canções americanas do período conhecido como “Grande Depressão”, que atingiu o planeta durante a década de 1930.

A letra mostra a visão de um operário que, através de seu trabalho, ajuda a trazer o progresso, mas não usufrui dele: “Certa vez, construí uma ferrovia / fiz com que ela seguisse / fiz com que ela corresse contra o tempo. / Certa vez, construí uma ferrovia / e, agora, ela está feita. / Amigo, pode me arranjar dez centavos?

Bing Crosby, Tom Waits, Barbra Streisand e Tom Jones são alguns dos artistas que já gravaram esta faixa.




Roxanne

Roxanne”, do Police [foto], foi vestida por George Michael com uma roupagem cool jazz. Chet Baker ficaria orgulhoso.

A estória do indivíduo que se apaixona por uma profissional do sexo – e tenta demovê-la da ideia de prosseguir neste ofício – ganhou elegância.

Inclusive, o próprio Sting, autor de “Roxanne”, regravou a canção em seu CD ao vivo ...All This Time, de 2001 – ou seja, dois anos depois de Songs... –, com um arranjo intimista, que, em dado momento, assemelha-se bastante com o de GM [saiba mais aqui].

Curiosidade: no início do vídeo da canção – que pode ser visto logo abaixo –, há a informação que as gravações foram realizadas no bairro de Red Light, em Amsterdã, Holanda, famoso pelo sex trade. E que as pessoas envolvidas na filmagem não eram... er, atores...

Nos créditos, a notícia (verdadeira?) de que a protagonista do clip, Franciska – cujo nome “de guerra” é justamente... “Roxanne” – abandonara as ruas...




You've Changed

You've Changed” foi composta em 1941 e recebeu mais de trinta (!) gravações, de nomes que vão de Nat King Cole a Sarah Vaughan, passando por Marvin Gaye, Joni Mitchell e Diana Ross.

A versão mais conhecida, entretanto, é a de Billie Holliday, de 1958. “Você mudou / Você esqueceu as palavras ‘eu te amo’ / E cada memória que partilhamos / (...) Você não é mais o anjo que um dia conheci”, lamenta a desencantada letra.

‘My Baby Just Cares For Me’, ‘The First Time Ever I Saw Your Face’ e ‘Miss Sarajevo’

My Baby Just Cares For Me

Embora já tenha sido gravada por Mel Tormé, pelo supracitado Nat King Cole e até por Cyndi Lauper (!), a versão mais famosa de “My Baby Just Cares For Me” é a de Nina Simone, de 1958.

Em sua gravação, George Michael deixa no ar uma conotação... er, ambígua: no verso “Liz Taylor não faz o estilo dele / e nem o sorriso de Lana Turner”, troca o nome de Turner pelo de... Ricky Martin...




The First Time Ever I Saw Your Face

The First Time Ever I Saw Your Face” foi composta em 1957. A gravação mais bem sucedida é a de Robert Flack, de 1969: “A primeira vez em que vi o seu rosto / Pensei que o sol raiou em seus olhos. / A lua e as estrelas foram os presentes que você deu/ aos céus escuros e vazios”.

A (ótima) versão de George é provavelmente o momento mais tocante do álbum.




Miss Sarajevo


Miss Sarajevo” foi lançada pelo U2, na companhia do finado Luciano Pavarotti [no detalhe], no projeto especial Passengers: Original Soundtrack I, de 1995. A correta gravação de GM nada acrescenta à colaboração do grupo irlandês com o tenor italiano – embora tenha obtido relativo sucesso radiofônico.

O clipe mistura imagens de belas misses misturadas a cenas de guerra na capital da Bósnia.

‘I Remember You’, ‘Secret Love’ e ‘Wild Is The Wind’

I Remember You

Em 2011, “I Remember You” completará, pasmem, 70 anos de idade (!) – foi composta em 1941. De lá para cá, recebeu inúmeras versões, como a de Ella Fitzgerald e, mais recentemente, da supracitada Diana Krall.

George Michael optou por gravá-la de maneira suave, acompanhado apenas por uma harpa. Ficou bonito.




Secret Love

Escrita em 1953, “Secret Love” foi lançada em single por Doris Day naquele mesmo ano. Desde então, foi gravada por mais de uma dezena de artistas – entre eles, a canadense k. d. lang e Frank Sinatra.

Ao som de metais em brasa para Tony Bennett nenhum colocar defeito, George Michael... brilha. “Certa vez, tive um amor secreto / que vivia dentro de meu coração”, suspiram os ingênuos versos.

Em 1995, “Secret Love” recebeu uma versão em português de Dudu Falcão, chamada “Um Segredo e um Amor”, que foi registrada por Jorge Vercillo para a trilha da novela Cara e Coroa.




Wild Is The Wind

A primeira gravação de “Wild Is The Wind” foi de Johnny Mathis, em 1957, para a trilha sonora do filme homônimo. Em 1966, recebeu uma versão de Nina Simone, considerada a mais bem-sucedida.

A letra é pura paixão: “Você me toca – ouço o som de bandolins / Você me beija – com seu beijo, minha vida começa”.

Curiosidade: David Bowie [foto], fã de Nina, encontrou-se casualmente com a cantora em Los Angeles, na década de 1970. Desse encontro, o cantor inglês teve a ideia de regravar “Wild Is The Wind”. Sua (boa) releitura aparece no álbum Station to Station, de 1976.

‘Where Or When’ e ‘It's Alright With Me’

Where Or When

Where Or When”, de 1937, é uma criação da renomada dupla de compositores Richard Rodgers e Lorenz Hart.

Já foi regravada por mais de oitenta (!) artistas: de Sammy Davies Jr. a Bryan Ferry, passando por Jane Birkin e Ray Conniff, além do já mencionado Frank Sinatra [no detalhe]. Recentemente, recebeu um registro da canadense Diana Krall, em seu ótimo Quiet Nights, lançado no ano passado.

A letra é um tanto... er, mística – fala, de maneira cifrada, de “vidas passadas”: “Algumas coisas que acontecem pela primeira vez / parecem estar acontecendo novamente. / E parece que já nos encontramos antes / e rimos antes / e nos amamos antes / mas quem sabe onde e quando?

Uma faixa simplesmente impecável, digna do melhor do cancioneiro norte-americano. E que George Michael releu com competência.


It's Alright With Me

It's Alright With Me”, de Cole Porter, é a “faixa escondida” do CD – começa quase um minuto após o final de “Where or When”. O curioso é que, em um disco de crooner, ela aparece em uma versão... instrumental.

Bem, ele devia saber o “recado” que queria dar...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Lobão: biografia ‘em praça pública’


Matéria originalmente publicada em março de 2010 no TOM NETO.COM.


Em uma iniciativa pioneira, cantor escreve sua biografia diante de internautas

Aos 52 anos da idade – completará 53 em outubro –, o cantor, compositor, instrumentista e apresentador da MTV (ufa!) Lobão decidiu escrever as suas memórias. 50 Anos a Mil – o título é um corruptela de versos de “Decadence Avec Élégance” (“É melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez”) – está sendo escrito a quatro mãos pelo Grande Lobo em parceria com o jornalista Cláudio Tognolli.

Perguntado se utilizaria os serviços de um ghost writer, Lobão respondeu bem ao seu estilo, mencionando outra canção, a bela “Você e a Noite Escura”:

– Sempre fui o meu próprio fantasma – gracejou.

Contudo, diferentemente de qualquer outra biografia, 50 Anos a Mil apresenta uma particularidade: está sendo escrita praticamente... “em público”. Ou seja, à medida em que a narrativa avança, o autor de “Vida Louca Vida” disponibiliza, através de seu Twitter, pequenos trechos da obra – que ele prefere chamar de “pílulas” – aos seus mais de dezessete mil seguidores.

– Os trechos não são todos “sintetizáveis”. Além do mais, escolho randomicamente: às vezes, dá; às vezes, não. Mas acho isso bom – explica.

No livro, Lobão repassa sem pudores – e com muito bom humor – toda a sua, segundo o próprio, “atribulada” vida, sem excluir passagens traumáticas, como a sua prisão por porte de entorpecentes e a “expulsão” do palco do Rock In Rio II, debaixo de uma chuva de latas arremessadas por metaleiros.

– Sou um cara mais confessional do que gostaria de ser. Acho que torceria para ser uma criatura mais cool – divaga.


Quatro CDs e um DVD acompanharão o livro

Após anos de embates com determinados setores da mídia, Lobão não esconde a alegria de permanecer “vivo” – leia-se: artisticamente relevante:

– Não só me alijaram, como também me decretaram inúmeros atestados de óbitos! – debocha – E agora, eu aqui, vivinho, vou contando essas coisas...

O músico não deixa de detalhar o processo de gravação de seus discos, analisando a todos sem auto-indulgência:

Cuidado! foi justamente o que mais faltou em toda a produção desse álbum – que, aliás, poderia ter sido um compacto duplo, com “Esfinge de Estilhaços” e “Pobre Deus” no Lado A; e “O Eleito” e “Por Tudo Que For” no Lado B – fulmina.

O livro será acompanhado por quatro CDs com as melhores faixas de sua discografia – escolhidas pelo próprio Lobão –, além de seu único DVD, Acústico MTV, ganhador do Grammy Latino de 2007, na categoria Melhor Álbum de Rock [no detalhe, o artista exibe, feliz, a estatueta].

50 Anos a Mil sairá em outubro, pela editora Nova Fronteira. Para ler as “pílulas” de Lobão, basta acessar o Twitter do artista: http://twitter.com/lobaoeletrico.

Lobão: minha primeira resenha



Resenha originalmente publicada em março de 2010 no
TOM NETO.COM.


O ano era 1992. Eu estava concluindo o Ensino Médio, ainda sem saber o que fazer da vida. Mas já gostava (muito) de música naquela época. Aliás, meu interesse pelo assunto surgiu no tempo das fraldas...


Até que, uma bela manhã, abri o jornal. E vi uma nota sobre um show que Lobão faria, naquele mesmo dia, na Concha Acústica da UERJ. Entrada franca. “Estou dentro!”, pensei.

Na volta para casa, tive um impulso de... escrever a resenha da apresentação – que, permaneceu inédita até o prezado momento. Não me perguntem por que fiz isso – até hoje, não saberia responder.

Creio que, por não ter levado a máquina fotográfica, quisesse “registrar” aquele evento de alguma forma. O mais curioso é que, naquele instante, jamais me passava pela cabeça me envolver algum dia com jornalismo musical.

De 1993 para cá, muita coisa aconteceu. Tanto na carreira de Lobão quanto na minha vida. Portanto, a matéria em questão está sendo publicada aqui apenas à guisa de curiosidade. E (quase) sem edição...



Show
Projeto Brahma – O Primeiro do Meio-dia
Lobão, Boca Livre e Cássia Eller
Local: Concha Acústica da UERJ (Rio de Janeiro)
Dezembro de 1992


Em formato acústico, Lobão, Cássia Eller e Boca Livre fazem show para plateia barulhenta

Pelo nome, o evento deveria começar ao meio-dia. Deveria. Cheguei apenas quinze minutos antes desse horário, esbaforido, imaginando estar atrasado. Na porta da UERJ, uma fila imensa – não sei como esse pessoal coube inteiro lá dentro – e um sol de rachar. Por volta das 13 horas, os portões foram abertos, na maior organização.

Após mais quinze minutos de espera, entra o apresentador do show: Fernando Vanucci (“Alô, você!”). Sabe-se lá Deus por que, a claque não perdoou: “Viado! Viado!”. Simpático, Vanucci fez ouvido de mercador. E auto-ironizou: “Pois é, todo mundo se espanta de como sou baixinho...”

Para “fazer hora”, o apresentador fez uma espécie de gincana, com perguntas sobre a carreira dos três artistas que se apresentariam. Quem acertasse, ganharia um chopp do patrocinador do evento. Em se tratando de crianças – havia crianças no local, sabia? –, ganhava um guaraná.
Logo após a brincadeira, Vanucci chamou ao palco a primeira atração:


BOCA LIVRE


Formado por Zé Renato (violão e voz), Maurício Maestro (contrabaixo e vocal), Lourenço Baeta (violão e vocal) e o ex-Vímana Fernando Gamma (violão e vocal), o quarteto (ironicamente) tocou apenas... quatro músicas: “Feito Mistério”, “Ponta de Areia”, e seus dois maiores sucessos, “Toada” e “Quem Tem a Viola

Além de bons instrumentistas, os integrantes são impecáveis nas harmonias vocais. Destaque também para a luz e o som do evento – que estavam simplesmente perfeitos.


CÁSSIA ELLER


Muito bem recebida pelo público, a cantora entrou no palco com seu violão a tiracolo, e visual despojado: jeans e uma t-shirt larga – o que dava a uma certa de impressão de... , fragilidade à sua figura. Mas isso só até o momento em que abriu a boca. A voz extensa de Cássia parecia fazer tremer as paredes do auditório.

A apresentação começou com “Sensações”, de Luiz Melodia. E prosseguiu com a versão rasta de “Eleanor Rigby”, dos Beatles. Na terceira música, a gayRubens”, a plateia já estava na mão de Cássia. Na sequência, o rock vigoroso “Não Sei o Que Eu Quero da Vida” chutou para longe o conceito de que o-banquinho-e-o-violão estão sempre associados à bossa nova.

Finalizando a surpreendente apresentação, a sua bem-sucedida de versão de “Por Enquanto”, da Legião Urbana, com citação dos Beatles de “I've Got a Feeling”. Com a potência de sua voz, e sua “entrega” no palco, Cássia vai longe.

E chegou a vez do astro da tarde.


LOBÃO


Delírio total do público: o Grande Lobo entra cena, de cabelos curtos, t-shirt lisa, bermuda quadriculada, tênis com meia soquete – visual totalmente clean. Com a tulipa de chopp na mão – devido ao calor, o artista bebeu várias durante o show – e desbocado com sempre, negou que estivesse “light”, como Fernando Vanucci o apresentou.

Eis o set list, com os comentários do músico:

* “Por Tudo o que For
* “Help” (Ao tocar o clássico dos Beatles, Lobão não perdeu a piada: “Essa o Collor deve estar cantando agora...”)
* “Essa Noite, Não” (“Essa é a melô do suicida frustrado. Ou vice-versa.”)
* “Noite e Dia / Me Chama” (“Duas canções que a Marina Lima gravou.”)
* “Bangu x Polícia 0” (Para esse número, Lobão chamou ao palco Ivo Meirelles)
* “Panamericana (Sob o Sol de Parador)” (“Essa é sobre uma imaginária República das Bananas, com dezenove perguntas para nenhuma resposta.”)
* “E o Vento te Levou
* “Chorando no Campo” (“Uma canção meio country”)
* “Vida Bandida” (“Me inspirei no Jorge Ben Jor para arranjar essa.”)
* “Mal Nenhum” (“A minha primeira parceria com o Cazuza. Adoro essa música.”)
* “Decadence Avec Élégance” (“Em 1985, me pediram para fazer uma música para uma novela da Globo sobre o mundo das passarelas, chamada Ti Ti Ti. Pensei em falar sobre o oposto da elegância das modelos. Aí saiu: ‘Você não sabe a arte de saber andar /nem de salto alto nem de escada rolante.’ E é uma canção bilíngue – o refrão é em francês.”)
* “Corações Psicodélicos” (“Não sei se vai sobreviver assim, sozinha ao violão”. Sobreviveu, sim)
* “Rádio Blá
* “Revanche”.


No intervalo entre uma canção e outra, Lobão pedia silêncio à plateia. E não era atendido.

– Vocês são revolucionários. A geração ‘cara-pintada’. Vocês são inteligentes, porra! Este é um show universitário, não o Xou da Xuxa! – disparou.

Até que, em um determinado momento, o artista perdeu a paciência. E deixou o palco, levando o violão em uma das mãos. E a tulipa na outra.

Alguns aplaudiram a atitude do músico. Outros vaiaram. Após levantar de seu banquinho, Lobão deu três passos. Parou. E voltou ao microfone, destilando ironia: “Vocês são demais, tá?”. E retirou-se em definitivo. Fernando Vanucci, sem ação, não sabia o que dizer.

Final de show. Bolas de aniversário caindo do teto do auditório. Tudo muito bonito. No repertório de Lobão, porém, ficaram faltando sucessos como “Vida Louca Vida” e “Canos Silenciosos”. A despeito disso, foi uma apresentação memorável. Que os “caras-pintadas” não souberam apreciar devidamente.

Júlio Barroso: a promessa não-cumprida do rock nacional

Originalmente publicado em março de 2010 no TOM NETO.COM.



O disc-jockey, poeta e jornalista carioca Júlio Barroso [foto] foi, sem dúvida, a grande promessa não-cumprida do rock nacional.


Gravou, em 1983, um único disco com à frente da Gang 90, Essa Tal de Gang 90 & as Absurdettes, com o qual emplacou três hits: a ótima “Nosso Louco Amor” (tema da novela Louco Amor, de Gilberto Braga, exibida naquele mesmo ano), “Perdidos na Selva”* (regravada, com sucesso, pelo Barão Vermelho, em 1996), e “Telefone” (que recebeu, em 1999, uma versão do Ira!, com participação de Fernanda Takai).

Barroso morreu no dia 06 de julho de 1984, aos 30 anos, ao cair da janela de seu apartamento – no 11º andar –, em São Paulo, em circunstâncias não esclarecidas até hoje. Fica a certeza de que seria um ídolo da envergadura de Renato Russo, Cazuza e Lobão, se a vida não tivesse lhe escapado tão precocemente.



* Curiosidade: “Perdidos na Selva” é uma parceria de Julio Barroso com... Guilherme Arantes. Entretanto, o festival MPB Shell não permitia que um autor concorresse com duas canções. Sendo assim, Arantes, que na edição de 1981 já defendia “Planeta Água” – que terminou na segunda colocação –, abriu mão da autoria de “Perdidos na Selva”.


Veja os vídeos de “Telefone...




...“Nosso Louco Amor...




...e “Perdidos na Selva.

Invasões e combates: a fundação do Rio de Janeiro


Artigo originalmente publicado em março de 2010 no TOM NETO.COM.


Conflitos marcaram os primeiros anos da história da cidade

Ontem, o Rio de Janeiro comemorou 445 anos. A cidade foi fundada no dia 01 de março de 1565 por Estácio de Sá – que se tornou o primeiro governador –, com o intuito de expulsar os franceses, que estavam instalados na Baía de Gunabara há uma década.

O objetivo dos invasores era, através do comércio de pau-brasil, criar aqui a chamada França Antártica. Mas foram expulsos em definitivo dois anos depois.

Um mês após a expulsão, mais precisamente no dia 20 de fevereiro de 1567, Estácio de Sá morreu, devido a uma infecção causada por uma flecha envenenada, que o atingira no rosto durante o combate com os franceses.

Mem de Sá, terceiro governador-geral do Brasil – e tio de Estácio –, transferiu, então, o governo do Rio de Janeiro para outro sobrinho: Salvador Correia de Sá.


***


Muitos anos depois, os franceses tentariam invadir novamente o Rio de Janeiro. Primeiro, em 1710, sob o comando do corsário Jean Francois Du Clerc – quando, aliás, foram derrotados. No ano seguinte, contudo, impuseram enorme humilhação à cidade, através do corso do almirante René Duguay-Trouin.

Com 5.400 homens divididos em dezessete navios, a esquadra francesa ocupou e saqueou a cidade, onde permaneceu por dois meses, trazendo pânico aos locais. Após afugentar a população para o interior, Duguay-Troin exigiu o pagamento de um resgate, sob pena de destruir o Rio de Janeiro.

O então governador, Francisco de Castro, acabou pagando com seus próprios recursos parte da quantia exigida, aconselhando o corso a levar todo o ouro e riquezas que conseguisse obter, alegando que a população levara consigo seus pertences de maior valor.

Em 13 de novembro de 1711, as tropas francesas partem do Rio de Janeiro, deixando para trás uma cidade totalmente devastada.

Detalhe: ao contrário dos piratas, os corsários eram autorizados a pilhar navios de outra nação, como uma forma fácil e barata de enfraquecer os inimigos. Além disso, os corsos pagavam cerca de um terço daquilo que saquevam ao tesouro real.


***


E, já que falei em corsários – embora, a rigor, a canção nada tenha a ver com o post –, veja o vídeo de “Corsário”, de João Bosco e Aldir Blanc, na interpretação definitiva de Elis Regina:

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Da série ‘Discos para se Ter em Casa’: ‘Mondo Cane’, de Lulu Santos


Originalmente publicado em fevereiro de 2010 no TOM NETO.COM.


Em 1992, Lulu Santos assinou com a antiga Polygram, atual Universal Music, e gravou aquele que, para muitos, é o seu melhor trabalho. Mondo Cane [no detalhe, a capa] trazia o pop que sempre caracterizou o músico, mas como uma certa... amargura nas letras.

Isso, sem contar as quatro faixas com guitarras pesadas – “Ecos do Passado”, “Fevereiro”, “Máquinas Macias” e a instrumental “Hormônios” –, que entusiasmaram público e crítica na ocasião.

Quando o álbum completou quinze anos de lançamento, escrevi um artigo para o jornal International Magazine, que você pode ler clicando aqui.

Portanto, com todos os méritos, Mondo Cane inaugura a série Discos para se Ter em Casa.

‘Um Vício’, ‘Cicatriz’ e ‘Foi Mal’

Na introdução curtinha, o ouvinte imagina tratar-se de uma canção para cima. Pista falsa. Desde os primeiros versos, “Um Vício” define o amor de modo cáustico: “O amor devia ser proibido / porque é uma droga pesada”. E prossegue: “E, com a mesma rapidez que você chega aos céus / o inferno passa a ser seu lar. (...) / O que era doce transformou-se em vinagre e ácido. / O que era úmido, da mesma forma. Agora é árido. / E o que antes era vivo já não pulsa mais – tornou-se uma assombração.”

Cicatriz” é um ska animadinho, cujo clipe tem a participação da Intrépida Trupe. Mas não se iludam com isso. A exemplo de “Um Vício”, a letra novamente fala de amor de uma maneira cáustica: “Eu te afoguei no líquido / desse pântano escuro que eu chamo de amor.” O refrão, contudo, expressa alguma esperança: “Ninguém me garante que eu vou ser feliz / mas ninguém me impede de tentar sê-lo.

Já “Foi Mal” é um pop típico de Lulu Santos. Mas com versos indisfarçavelmente desencantados. O clipe, claramente inspirado no filme A Hard Day's Night [no detalhe], presta homenagem aos Beatles.



Um Vício




Cicatriz




Foi Mal

‘A Coisa Certa’, ‘Apenas Mais uma de Amor’ e ‘Ecos do Passado’

A Coisa Certa” emula o som das chamadas “bandas de franjinha” que surgiram aos montes em Manchester, Inglaterra, na década de 1990 – The Inspiral Carpets, Charlatans U.K. [no detalhe], etc. A letra baseia-se no interessante trocadilho com a palavra presente: “Quero lhe oferecer o meu presente / tomara que você aceite, e fique bem contente...” Observe: cantor refere-se ao tempo verbal...

A tocante moda-de-viola beatleApenas Mais uma de Amor” foi o hit solitário do álbum. E uma das mais belas canções da carreira de Lulu Santos. Dispensa apresentações.

Em “Ecos do Passado”, rock lento e pesado cujo riff se repete ad aeternum, o mondo cane começa a aparecer de verdade...



A Coisa Certa





Apenas Mais uma de Amor





Ecos do Passado

‘Fevereiro’, ‘Máquinas Macias’ e ‘Hormônios’


Lulu Santos caprichou nas guitarras na trinca “Fevereiro”, “Máquinas Macias” e “Hormônios”. Na primeira, descreve a Cidade Maravilhosa como um cenário dantesco: “Ar, é necessário respirar / sair debaixo dessas nuvens de metal / ferro fundido, enxofre e fel. / Ainda que seja fevereiro / em pleno Rio de Janeiro, exposto ao sol / como a carniça de um animal.”

A agressiva “Máquinas Macias” fala de sexo: “Máquinas macias, autolubrificantes / resfolegando a noite produzindo, produzindo.”

A instrumental “Hormônios” fecha o bloco. Destaque para a (ótima) bateria de Christiaan Oyens.



Fevereiro





Máquinas Macias





Hormônios

‘Aquela Vontade de Rir’, ‘Realimentação’ e ‘E Então? (Boa Pergunta)’

Composta por Zé Renato, ex-Boca Livre, em parceria com o diretor teatral Hamilton Vaz Pereira, “Aquela Vontade de Rir” é um momento de “calmaria” depois da... er, tempestade. Acompanhado apenas por teclados, Lulu Santos canta versos delicados: “Meus plenos poderes / meus grandes momentos / meus sentimentos mais serenos”.

Em “Realimentação”, o cantor aproxima-se, mais uma vez, do samba, em belos dedilhados de guitarra, ao lado da bateria de Marcelo Costa.

A bossa “E Então? (Boa Pergunta)” fecha o álbum de maneira... plácida. Detalhe: nesta faixa, em vez de um previsível violãozinho de nylon, Lulu preferiu tocar guitarra...


Aquela Vontade de Rir



Realimentação



E Então? (Boa Pergunta)

‘Auto-estima’

Auto-estima” não integra Mondo Cane. Foi editada, meses depois – também pela Polygram –, em um (malfadado) formato chamado maxi-single. Portanto, pode-se dizer que está no mesmo... hum, contexto do álbum.

Curiosidade: na letra, Lulu Santos menciona o supracitado Hamilton Vaz Pereira, autor de “Aquela Vontade de Rir” – saiba mais aqui.

O único registro de “Auto-estima” que se encontra atualmente em catálogo está na coletânea Perfil, de 2004 [no detalhe].



sábado, 6 de março de 2010

Lulu Santos: a velha paixão pelo samba


CD
Singular (EMI-Odeon)
2009

Resenha originalmente publicada no TOM NETO.COM.


Vinte anos após ‘Popsambalanço & Outras Levadas’, cantor flerta novamente com o gênero

Apesar de não exibir, como compositor, a mesma inspiração de priscas eras, Lulu Santos continua, musicalmente, inquieto como sempre. E, com isso, ao contrário de praticamente todos os seus contemporâneos, mantém a sua relevância. E a sua... hum, singularidade – o clichê foi inevitável.

Não por acaso, Singular é o título de seu novo álbum, foi produzido pelo próprio Lulu juntamente com o seu tecladista, Hiroshi Mizutani, e inteiramente bancado pelo autor de “Casa” – apenas distribuído pela EMI. É o seu 22º trabalho, sendo o 19º de estúdio.

Em “Duplo Mortal” e “Na' Boa”, o cantor e compositor carioca transita pelo pop que o fez famoso. A tônica do CD, no entanto, é a amálgama entre o samba e a eletrônica, presente, por exemplo, nas instrumentais “Spydermonkey” e “Restinga”, primeira e última faixa do álbum, respectivamente.

No samba, aliás, Lulu soa bastante convincente, tanto na inédita “Procedimento” – não faria feio em um disco de Paulinho da Viola –, como na ousada releitura de “Zazueira”, de Jorge Ben, gravada para o disco-tributo O Baile de Simonal.

Provavelmente mencionando os vinte anos de Popsambalanço & Outras Levadas – álbum de 1989 no qual o artista flertou com samba e afins –, Lulu relê, com ares de funk carioca, “Perguntas”, aqui rebatizada de “Perguntas (II)”. Em tempos de verba pública escondida em meias e cuecas, a letra, por sinal, continua bem atual: “Diz aí qual é a tradição / país no duro ou refúgio de ladrão?”.

Fuscio”, composta em homenagem ao seu cachorro, é um típico bolero havaiano, daqueles que Lulu compõe com naturalidade – vide “De Repente, Califórnia”, “Lua de Mel”, “Sereia”, “Tudo” e, claro, “Como uma Onda”.

A primeira música de trabalho é a discoBaby de Babylon”, uma mistura infalível de “Fogo de Palha” (Calendário, 1999) com “Já É!” (Bugalu, 2003). A faixa integra a trilha sonora da novela Viver a Vida.

Completam o repertório “Black and Gold”, do australiano Sam Sparro e a sofrida “Atropelada”, do baixista, cantor e compositor Jorge Ailton.

No final das contas, Singular deixa melhor impressão do que o seu antecessor, o pouco inspirado Long Play (2007). Mas, decididamente, não supera o último grande CD de estúdio de Lulu Santos, o ótimo Letra e Música (2005).

Da série ‘Música clássica não é chata’: Chopin


Artigo originalmente publicado no TOM NETO.COM.


Com o passar dos anos, meu interesse por música clássica, pouco a pouco, foi aumentando. Sem que isso significasse, necessariamente, uma diminuição do meu apreço pela canção popular – as duas vertentes não são excludentes.

(E os Beatles estão aí para não me deixar mentir...)

Desse modo, ocorreu-me a ideia de compartilhar esse prazer com todos vocês que frequentam o blog. Evidentemente, há também a intenção de desmitificar a ideia de que a música clássica é uma arte “elitista” e... ahn, chata. Pronto, falei.

Portanto, começamos com esta que é, provavelmente, a minha peça clássica predileta: a magistral “Nocturne Op. 9 No. 2”, de Chopin [no detalhe].


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Nascido em 1810, o polaco Frédéric Chopin é considerado um dos pianistas mais importantes da história – e um dos maiores compositores para o instrumento. Sua influência permanece até os dias de hoje, e é comparada à de outros gênios da música, como Mozart e Beethoven.

Sempre com a saúde frágil, morreu em Paris, em 1849, aos 39 anos, vítima de tuberculose.

Curiosidade: antes do funeral de Chopin, de acordo com a sua vontade, seu coração foi retirado. O músico temia ser enterrado vivo – leia-se: catalepsia. Sendo assim, o órgão foi posto por sua irmã em uma urna de cristal selada, com conhaque, destinada a Varsóvia, capital da Polônia.

Permanece até hoje, lacrado, dentro de um pilar da Igreja da Santa Cruz, em Krakowskie Przedmieście, debaixo de uma inscrição do Evangelho de Mateus, 6:21: “Onde seu tesouro está, estará também seu coração”.


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Outra curiosidade: em 1983, o cantor libanês naturalizado italiano Gazebo lançou uma canção em homenagem ao pianista, “I Like Chopin”, que foi sucesso no mundo inteiro.



Veja o vídeo de “Nocturne Op. 9 No. 2”, com o russo Sergei Rachmaninoff:

Sting: quando o inverno chegar...


CD
If On A Winter's Night... (Deutsche Grammophon / Universal Music)
2009


Resenha originalmente publicada no TOM NETO.COM.


Ex-Police mostra-se introspectivo em ‘If On A Winter's Night...’, seu novo CD solo


Após ter reativado, para surpresa geral, o The Police – naquela que foi a mais turnê lucrativa turnê mundial de 2007/2008 –, Sting ressurge, agora barbudo, e com um novo CD solo. E mantendo, coerentemente, o velho hábito de fazer exatamente aquilo que não se espera dele.

Em If On A Winter's Night..., o músico dedica-se inteiramente ao inverno – sua estação do ano predileta –, em um trabalho em que o formato pop rock simplesmente... inexiste. “O inverno, como temática, é rico em material e inspiração”, declarou recentemente.

O disco chega às prateleiras através do selo clássico Deutsche Grammophon – com edição nacional via Universal Music –, a exemplo de seu antecessor, Songs From The Labyrinth (2006), considerado o mais bem sucedido álbum de alaúde da história.

De modo introspectivo, o baixista mergulha na tradição britânica, em temas como “The Snow It Melts the Soonest” – balada de Newcastle, sua cidade natal, situada no norte da Inglaterra – e “Gabriel's Message”, que data do século XIV. Também há espaço para adaptações de peças clássicas, como “Der Leiermann”, do austríaco Franz Schubert, que tornou-se “The Hurdy-Gurdy Man”.

Apenas dois temas são verdadeiramente autorais: a boa “The Hounds of Winter”, originalmente gravada em Mercury Falling, de 1996, e “Lullaby For An Anxious Child”, lado B do single “You Still Touch Me”, do mesmo ano.

You Only Cross my Mind in the Winter”, apesar de letrada por Sting, é, na verdade, um tema do compositor alemão Johann Sebastian Bach. De modo inverso, o compositor de “Roxanne” musicou, em parceria com a harpista escocesa Mary Macmaster, “Christmas At Sea”, poema de Robert Louis Stevenson, autor de O Médico e o Monstro e A Ilha do Tesouro.

If On A Winter's Night... poderá agradar àqueles que aprenderam a apreciar o lado... hum, erudito do ex-Police. Entretanto, os que preferem o Sting pop de “If I Ever Lose My Faith In You” deverão manter distância desse CD – ainda que o mesmo “cresça” a cada audição. Com este álbum, o músico parece querer afirmar que, artisticamente, não se considera “refém” de nada: nem de seu antigo trio, nem de seus sucessos solo. E nem de qualquer coisa que “limite” a sua música.



P.S.: Vale lembrar que, apesar de ter se mantido na ativa durante todo esse tempo, Sting editou o seu último álbum de canções inéditas, Sacred Love, em 2003...

O sagrado (e multifacetado) amor de Sting

...Sting editou o seu último álbum de canções inéditas, Sacred Love, em 2003...




CD
Sacred Love (Universal)
2006

Artigo publicado originalmente no TOM NETO.COM.


O mais recente álbum de inéditas de Sting, Sacred Love, de 2003 (!), causa algum estranhamento nas primeiras audições, devido à eletrônica utilizada em faixas como “Forget About The Future” e, principalmente, “Never Coming Home”.

Mas o ouvinte mais atento logo percebe que, em meio aos sequenciadores, há elementos nada usuais nas pistas de dança como o violão flamenco – cortesia do espanhol Vicente Amigo em “Send Your Love” –, bongôs marroquinos e improvisos de jazz.

O que faz concluir que Sting, obviamente, jamais se permitiria cair na... obviedade.

Nas letras, o bom nível de sempre, desde a tensa e claustrofóbica “Inside” (“Aqui dentro, está mais frio do que nas estrelas / Aqui dentro, os cães estão uivando”), que abre os trabalhos, passando pela raivosa “This War”, até a otimista faixa-título, que fecha o CD.

A delicada “Dead Man's Rope” menciona “dor”, “vazio”, “raiva” e “angústia” e, depois, a “doce chuva do perdão”, através do “amor de Jesus”. E cita “Walking In Your Footsteps”, de Synchronicity, último trabalho do Police. Já os engenhosos versos de “Stolen Car (Take Me Dancing)” contam a estória do sujeito que rouba o carro de um ricaço, e enquanto dirige, começa a se imaginar na vida do dono do veículo.

The Book Of My Life”, belíssima, usa a metáfora de um livro – no caso, Fora do Tom, a ótima autobiografia do cantor – para refletir sobre a vida: “Porque o fim é um mistério, que ninguém consegue ler / no livro de minha vida.” E traz a boa participação da citarista Anouskha Shankar – sim, filha de Ravi Shankar, o homem que, indiretamente, introduziu os sons indianos na música dos Beatles.

O ponto alto do disco, entretanto, é o soul “Whenever I Say Your Name”, dueto com Mary J. Blige.

Sacred Love, de um modo geral, é um bom álbum. Mas já se passaram seis anos desde o seu lançamento. De onde se conclui que passou da hora de Sting providenciar o seu sucessor...



P.S.: Devido à fria recepção à eletrônica de Sacred Love, o ex-Police regravou, ao vivo, todas as faixas do álbum no DVD Inside The Songs Of Sacred Love – excluindo dos arranjos os sequenciadores e dando mais ênfase ao jazz. E, cá para nós, as canções soaram bem melhor assim...



Veja o vídeo de “Whenever I Say Your Name”, com Sting e Mary J. Blige: