sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Caetano Veloso: eu digo sim


CD Multishow: Cê ao Vivo (Universal)
2007


Resenha publicada originalmente no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 137 (outubro de 2007).


CD ao vivo registra a turnê que Caetano Veloso realizou para promover o seu controverso álbum

Como quase sempre acontece em se tratando de Caetano Veloso, seu mais recente disco, , foi um trabalho polêmico. Apesar do consenso de que dificilmente um artista contemporâneo de Caê desejaria - ou, principalmente, conseguiria - realizar um álbum tão arrojado, as opiniões (sempre superlativas) sobre a bolacha se dividiram: houve quem adorasse o disco; e também quem reagisse de forma contrária. Esse humilde escriba que vos tecla está incluído no segundo grupo.

A despeito de ter seus (poucos) bons momentos, como “Minhas Lágrimas”, as composições - o calcanhar-de-Aquiles do trabalho - alternaram, de um modo geral, auto-indulgência (“Musa Híbrida”) e tola provocação (“Homem” e “Porque?”).

Iniciou-se, entretanto, a temporada de shows. Com isso, a apresentação realizada precisamente no Dia dos Namorados desse ano na Fundição Progresso foi a escolhida para ser registrada em CD (17 faixas) e DVD (a ser editado agora em outubro, trazendo a íntegra do espetáculo), sob o título Multishow: Cê Ao Vivo. E a verdade é uma só: a exemplo de Estrangeiro e Circuladô, Caetano prossegue a sua tradição de shows memoráveis.

Acompanhado do brilhante trio que gravou (o guitarrista Pedro Sá; o baterista Marcelo Callado; e o baixista/tecladista Ricardo Dias Gomes), o baiano apresentou um espetáculo minimalista, enxuto, contraponto exato à grandiloqüência de shows como Fina Estampa e Livro Vivo. E, com isso... acertou em cheio.

Impossível deixar de reconhecer: até mesmo canções com imagens mal resolvidas como “Outro” (“você nem vai me reconhecer, quando eu passar por você/ de cara alegre e cruel, feliz e mau como um pau duro/ acendendo-se no escuro/ cascavel/ eriçada na moita, concentrada e afoita”) e “Rocks” (“tu é gênia, gata, etc/ mas foi mesmo rata demais/ meu grito inimigo é 'você foi mór rata comigo'”), ao vivo, ganharam punch. E o refrão de “Odeio” (que possui um grande arranjo, diga-se de passagem) foi cantado em uníssono pela multidão, em um espetáculo, no mínimo... bizarro.

O blues “Como Dois e Dois”, cedido a Roberto Carlos em 1971, finalmente ganha (boa) versão do autor. A faixa trazia uma mensagem política, ainda que cifrada, contundente para a época, falando do exílio (“quando você me ouvir cantar/ venha, não creia, eu não corro perigo/ (...) estou longe e perto”), da mordaça imposta pela “força bruta” (“tudo vai mal, tudo/ tudo é igual quando canto e sou mudo”) e, em linhas gerais, do momento que o país atravessava (“tudo em volta está deserto/ tudo certo - como dois e dois são cinco”).

Na verdade, existem muitas canções que Caetano entregou a outros intérpretes e jamais gravou. Exemplos: as singelas “Sim, Foi Você” e “Tá Combinado”, além de “Quero Ficar com Você” e, claro, a linda “Força Estranha”.


Show apresenta repertório basicamente autoral

Os jovens músicos da banda de Caetano criaram uma sonoridade atualizada para antigos sucessos como “Sampa”, “London, London” e “Fora da Ordem”. Destaque para o instrumentista inventivo que é Pedro Sá - em especial, nas intervenções de sua guitarra wah-wah em “Desde que o Samba é Samba”, arejando o gênero.

(Mas é importante lembrar que Lulu Santos já havia utilizado esse recurso em “Ny Popoya y Papa”, do álbum Normal, de 1985).

Outro ponto alto do show é “Não me Arrependo”. Próxima do universo popular de artistas como Peninha e Fernando Mendes, a dilacerada canção (de caráter documental), que examina os destroços do fim de um relacionamento, não bate nas primeiras audições. Contudo, cresce de maneira monumental como seus arabescos executados ao vivo. Destaque para o verso em que o artista - como diriam os antigos, “com lágrimas na voz” - refere-se aos filhos (“vejo essas novas pessoas que nós engendramos em nós/ e de nós”).

A única inédita do espetáculo, “Amor Mais que Discreto”, cita “Ilusão à Toa” de Johnny Alf. Canção de temática gay inspirada no chamado “modelo grego” (o relacionamento entre um ancião e um rapaz - saiba mais clicando aqui), a faixa não ficou pronta a tempo de entrar no disco de estúdio [nota: consta que, na Grécia Antiga - especialmente na cidade de Atenas -, os pais entregavam deliberadamente os seus filhos adolescentes à “tutela” de homens mais velhos, acreditando que somente dessa forma, “na prática”, eles iriam adquirir experiência sexual]. No repertório estruturado em canções autorais, foi incluída apenas uma composição de lavra alheia: “Chão da Praça”, de Moraes Moreira.

Caetano aproveitou para resgatar do álbum Velô (1984) uma pérola obscura: “O Homem Velho”, dedicada a seu pai e a Mick Jagger. Já “You Don't Know Me”, faixa do histórico álbum Transa, fecha o CD, com direito a todas as citações contidas em sua versão original, de 1972 (“Reza”, de Edu Lobo e Ruy Guerra; “Maria Moita”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes; “Hora do Adeus”, de Luiz Gonzaga; e “Saudosismo”, do próprio Caê).


“Vivo, muito vivo”

Em cima de um palco, Caetano Veloso está, artisticamente - como ele mesmo diz na clássica “Nine Out Of Ten” -, vivo, muito vivo. Aliás, é impactante ouvir aquele senhor de cabelos grisalhos (apesar da indumentária e dos movimentos bem joviais) cantando os versos “I know that one day I must die/ I'm alive” [“sei que um dia morrerei/ estou vivo”]. Observando por esse prisma, a grande ausência do roteiro desse show foi “Oração ao Tempo”, que discorre com poesia acerca da passagem dos anos.

Recentemente, Caetano declarou que pretende gravar mais um álbum de estúdio na companhia dos músicos dessa turnê. Espera-se que, no próximo trabalho, o repertório esteja à altura daquele autor tão respeitado e admirado. Isso, no entanto, é porvir. O que importa nesse momento é a constatação de que Cê ao Vivo tornar-se-á um paradigma na carreira de Caetano Veloso - assim como Araçá Azul, por razões diferentes. E que, hoje, vim dizer “sim” a Caê.

E digo.

Barão Vermelho: antológico


CD e DVD Rock In Rio 1985 (Som Livre)
2007


Resenha publicada
originalmente no BLOG DO TOM NETO.



Finalmente é lançada em DVD a memorável apresentação do grupo carioca no Rock in Rio I

Demorou “apenas” 22 anos, mas finalmente foi lançado em DVD, via Som Livre, Rock in Rio 1985, que traz o histórico show do Barão Vermelho naquele festival. Vale lembrar que esse é o primeiro registro visual dessa apresentação, que não havia sido lançada sequer no pré-histórico formato VHS - apenas em CD, em 1995. O álbum, aliás, também acaba de ser relançado - porém, com uma capa diferente.

O primeiro disco do Barão, epônimo, foi lançado em 1982 e - mesmo contendo grandes canções e elogiado por pessoas do calibre de Caetano Veloso, que passou a tocar uma versão voz-e-violão de “Todo Amor que Houver Nessa Vida” em seus shows - não tinha padrão técnico para tocar nas rádios, em face da inexperiência do grupo em estúdio. No segundo álbum, a banda apenas “trocou de problema”: se, por um lado, o americano Andy Mills - que dividiu a produção com Ezequiel Neves - trouxe para o quarteto carioca uma sonoridade bem-acabada, por outro lhe tirou a espontaneidade. De qualquer forma, foi justamente desse trabalho que saiu o primeiro hit do Barão: o clássico “Pro Dia Nascer Feliz”, que, meses depois, foi registrada também por Ney Matogrosso e impulsionou a execução da gravação original.

Em sua terceira bolacha, Maior Abandonado (1984), o Barão parecia ter encontrado sua própria feição no estúdio: além da faixa-título, chegaram com sucesso às rádios “Bete Balanço” (trilha do filme homônimo de Lael Rodrigues) e “Por que a Gente é Assim?”. E, vislumbrando no Rock In Rio um momento crucial para as pretensões artísticas da banda, o Barão não teve dúvida: mandou rock'n'roll na cara da galera. Com instrumentistas de primeira e um frontman que chamou para si a responsabilidade de preencher um palco gigantesco, o grupo conquistou o público e alcançou a consagração que, meses depois, faria com que o vocalista saísse em carreira solo. Mas isso já é uma outra estória....


DVD é o registro definitivo da formação original da banda

No repertório, petardos como as supracitadas “Maior Abandonado”, “Bete Balanço” e “Pro Dia Nascer Feliz” (com Cazuza fechando o show evocando a euforia da chamada “Nova República”), além de “Menina Mimada”, “Milagres”, “Down em Mim” e uma versão matadora da também já mencionada “Todo Amor que Houver Nessa Vida”. “Mal Nenhum”, parceria até então inédita de Lobão e Cazuza, é precedida por discurso do Exagerado reclamando pelo fato de o líder dos Ronaldos não figurar entre as atrações do festival.

Nos extras, a canção “Um Dia na Vida”, extraída da segunda apresentação da banda no mesmo festival e o ótimo documentário Aconteceu em 85, com depoimentos dos membros originais do Barão, além de Ezequiel Neves, Lobão, Lucinha Araújo, Sandra de Sá, do jornalista Pedro Bial e imagens de arquivo do próprio Cazuza.

Rock In Rio 1985, além de um documento importantíssimo do rock nacional, é o registro audiovisual definitivo da formação original do Barão Vermelho. Resta agora torcer para que também sejam editados em DVD excelentes apresentações da carreira solo de Cazuza como a do Teatro Ipanema, turnê de Só Se For a Dois, 1987 (que saiu em CD em 2005), além do especial global Uma Prova de Amor, de 1988.

Djavan: 'politicamente incorreto' ou 'ritual do habitual'

CD Matizes (Luanda Music)
2007


Resenha publicada originalmente no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 137 (outubro de 2007).



Em Matizes, Djavan apresenta sua sonoridade característica e ainda arrisca uma letra de cunho... hum, político

Djavan acaba de lançar disco novo: Matizes, que - a exemplo dos anteriores Na Pista, Etc (2005) e Vaidade (2004) - está sendo editado pelo selo próprio Luanda Music. Com sua bonita capa multicolorida, é o décimo oitavo trabalho do artista alagoano.

Depois de brincar com beeps e tóins em seu último CD, o supracitado projeto especial Na Pista, Etc. - no qual alguns de seus sucessos foram regravados com um pulso dançante - o músico, dessa vez, optou por compor solitariamente uma dúzia de canções (não muito inspiradas) que soam exatamente como... Djavan. O que acaba deixando o álbum com um inegável sabor de déjà vu.

O disco até que começa bem, com “Joaninha” - boa melodia e arranjo interessante. Mas, daí em diante, começa o ritual do habitual: aquele violão sincopado aqui, um funk ali (“Adorava me Ver como Seu”), alguns sambas acolá (como a sofisticada - e ufanista - “Delírio dos Mortais”, em homenagem à nossa cidade... , “maravilhosa”), e por aí vai. “Pedra”, o primeiro single de trabalho, é um pop refinado com um discreto tempero jazzy, semelhante a inúmeras faixas anteriores de Djavan. Traz, inclusive, os mesmos clichês (“Não mais a vi, desde abril./ Fui pro mar/ e você lá, deitada na pedra/ que inveja dessa pedra”. Puxa, que poético, não?).

Aliás, o quesito letra continua a apresentar típicas esquisitices do estilo “nem-que-eu-bebesse-o-mar-encheria-o-que-eu-tenho-de-fundo”. O mais embaraçoso exemplo disso está em “Imposto”. Não que o compositor esteja equivocado em suas considerações acerca da (imoral) carga tributária brasileira. Pelo contrário: as afirmativas da canção são absolutamente procedentes. O problema é a ingenuidade da narrativa - um adolescente ginasiano faria uma redação mais pertinente. Djavan poderia expor o seu descontentamento político de maneira mais adulta.

Um trechinho da letra: “IPVA, IPTU, CPMF forever/ É tanto imposto que eu já nem sei./ ISS, ICMS, PIS e COFINS, pra nada./ Integração Social, aonde?/ Só se for no carnaval/ Eles nem tchum./ Mas tu paga tudo”. Outro: “Ainda tem a farra do I.R./ Dinheiro demais!/ Imposto a mais, desvio a mais/ E o benefício é um horror!/ Estradas, hospitais, escolas/ Tsunami a céu aberto/ Não está certo./ Pra quem vai tanto dinheiro?” Reparem no trocadilho brilhante: “Pois o homem que recolhe o imposto... é o impostor”.

Coisa triste, meu Deus. Já ouviram falar em “vergonha alheia”?

Resumo da ópera: a verdade é que, descontando os deslizes líricos, Djavan, com suas harmonias complexas (ouça “Louça Fina” e a faixa-título), continua tendo uma grande musicalidade. Criou, aliás, uma fórmula que influenciou a muitos - mas, ironicamente, encontra-se aprisionado nela. Contudo, se você é fã, vá fundo. Os matizes dessa caixa de lápis de cor você certamente conhece bem...

Maria Rita: na cadência bonita do samba


CD Samba Meu (Warner)
2007


Resenha publicada
originalmente no TOM NETO.COM.


Em seu terceiro álbum, Maria Rita dedica-se inteiramente ao ziriguidum

A bem da verdade, o samba não é uma novidade na carreira de Maria Rita. A cantora já havia feito incursões no gênero tanto em seu primeiro álbum (com “Cara Valente”, do (ex?) hermano Marcelo Camelo) quanto em Segundo (na boa “Recado”, de Rodrigo Maranhão). Novidade foi o fato de a filha de Elis ter dedicado um álbum inteiro ao gênero: esse é caso de seu terceiro disco, sintomaticamente batizado de Samba Meu, que chega ao mercado via Warner.

Com sua bela capa - aliás, a cantora está cada vez mais bonita e sensual -, Samba Meu (produzido por Leandro Sapucahy) sofre da mesma linearidade de trabalhos focalizados em um único gênero (em se tratando de um disco inteiro de reggae ou blues, a impressão seria igual). Além disso, ao contrário de Marisa Monte - que em seu Universo ao Meu Redor, produzido por Mário Caldato Jr., inseriu timbres e efeitos incomuns em discos de samba - Maria Rita optou por um enfoque inegavelmente tradicional. Mas, como diziam os antigos, ela tem bossa. E consegue se sair bem.

Não leve em conta a melancolia da faixa-título, que abre o álbum. O disco começa realmente na segunda música, “O Homem Falou”, de Gonzaguinha, com participação da Velha Guarda da Mangueira. Outro destaque é “Num Corpo Só”, de Arlindo Cruz (que, aliás, contribui com seis das quatorze canções do álbum), em registro que nada deve a sambas gravados por sua famosa mãe. E por falar em maternidade: “Cria”, de autoria de Serginho Meriti e César Belieny, é uma faixa simpática que fala sobre uma criança - mas sob a ótica da mãe.

O maior acerto, no entanto, foi a escolha do primeiro single de trabalho: “Tá Perdoado”, também de Arlindo Cruz, é simplesmente um golaço. A letra remete imediatamente a “Tô Voltando”, de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós, bastante conhecida na voz de Simone: “(...) A saudade me esquentou/ Consertei o ventilador/ pro teu corpo não ficar suado./ Nessa onda de calor, eu até peguei uma cor/ tô com o corpo todo bronzeado./ Seja do jeito que for, eu te juro meu amor/ Se quiser voltar, tá perdoado”.

A despeito do purismo - e da conseqüente reafirmação do apreço de Maria Rita pela tradição da música brasileira -, Samba Meu não deixa de ser um movimento inesperado na carreira da cantora.

E assim, ela segue em frente.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

John Legend: grata surpresa


CD Once Again (Sony BMG)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 136 (setembro de 2007).



O jovem John Legend mostra que pop e sofisticação são perfeitamente compatíveis

Ainda que ouvir rádio seja, muitas vezes, um exercício penoso, o fato é que o dial ainda é capaz de proporcionar momentos agradáveis. Outro dia, dirigindo, uma canção me arrebatou logo de cara. “Que interessante. De quem será essa música?” Esperei o término da faixa para que a locutora dissesse: “você ouviu 'P.D.A. (We Just Don't Care)', com John Legend”.

Certamente eu já tinha ouvido falar do jovem (ele completa 29 anos em dezembro) cantor e pianista americano - cuja “Ordinary People” foi gravada recentemente pelos craques George Benson e Al Jarreau no bom álbum Givin'It Up (devidamente resenhado na edição de março do IM). Mas a verdade é que, até aquele momento, eu não o tinha ouvido com a devida atenção.

A letra é espirituosa: fala de um casalzinho apaixonado que não se constrange nadinha de as pessoas observarem o seu tórrido romance. Pelo contrário: parece, ahn, sentir prazer nisso. Sintam só:

Você sabe que eu adoro quando você faz amor comigo
Ás vezes, é melhor quando é em público.

Eu não tenho vergonha, não me importo que vejam.
(...)
Vamos fazer uma visita á sua mãe

Nos agarrando no banheiro enquanto ela estiver fora.

Talvez ela nos escute gritando

Mas vamos continuar até que ela bata na porta.


Apesar da pitoresca narrativa, o que conta realmente é o balanço irresistível, aliado a uma sofisticação a toda prova, além da voz áspera, aparentemente desleixada de Legend - que caiu como luva na faixa em questão. “P.D.A.” - além de integrar a trilha da atual novela das oito - é faixa do CD Once Again, que possui edição nacional lançada pela Sony BMG. O bom álbum mistura jazz, soul, gospel e pop, com uma leve pitada de hip-hop. Coisa fina mesmo. Destaque para “Heaven”, “Save Room” e “On the Top of the World”.

Ouça sem medo. E descubra que o rádio ainda pode trazer boas surpresas.

Chico Buarque: até breve


CD Carioca Ao Vivo (Biscoito Fino)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 136 (setembro de 2007).



Carioca Ao Vivo registra a turnê de Chico Buarque

Como tem acontecido nos últimos dez anos, o poeta-maior Chico Buarque editou um álbum de inéditas (Carioca, de 2006) e saiu em turnê para divulgar o trabalho. Como também é de praxe em se tratando de Chico, o compositor registrou uma de suas apresentações (dessa vez, na íntegra) e lançou em CD duplo e DVD - sintomaticamente batizados de Carioca Ao Vivo. Gravado no Canecão (RJ) no início do ano, esse é o segundo produto de Chico pela gravadora Biscoito Fino.

Naturalmente, o repertório do show está estruturado no disco de estúdio - todas as canções de Carioca foram incluídas no espetáculo. Destaque para a melodia sinuosa (de autoria de Antonio Carlos Jobim) de “Imagina” - que conta novamente com a participação da cantora Mônica Salmaso -, “Outros Sonhos” e a bela “Renata Maria”, parceria com Ivan Lins.

O roteiro foi criado pelo próprio Chico, que optou por deixar de fora vários clássicos, em prol do encadeamento temático das canções. Assim “As Atrizes” se funde a “Ela Faz Cinema”; “As Vitrines”, se mistura a “Subúrbio”, e assim sucessivamente.

Mas é claro que, sendo dono de uma obra que o coloca como um dos monolitos da cultura nacional, Chico não poderia excluir obras-primas como “Mil Perdões” e “Futuros Amantes”. Mesmo em um espetáculo sofisticado e de enorme concentração (que alguém classificou recentemente - e de modo brilhante - como “música-literatura”), sambas como “Deixa a Menina”, “Sem Compromisso” e “Quem te Viu, Quem te Vê” não soam deslocados. No fechamento dessa edição, o DVD estava prestes a ser lançado. Curiosidade: o produto não apresenta o mesmo áudio da apresentação escolhida para o CD.

Encerrada a turnê, se a escrita se mantiver, o cantor entra agora em “recesso musical” - sua última reclusão, aliás, foi mencionada na canção que inicia o espetáculo, “Voltei a Cantar”, composta pelo grande Lamartine Babo para o cantor Mário Reis (“Ó meu samba, velho amigo/ Novamente estou contigo/ Uma vida me transtorna/ Como um filho à casa torna/ De ti nunca me esqueci”). De tempos em tempos, Chico recolhe-se para escrever romances - o próximo, caso venha a se confirmar, será o quarto (o último foi o ótimo Budapeste, de 2003). De modo que, a seus admiradores, só resta, nesse momento, desejar êxito ao artista em sua nova empreitada.

E um breve e feliz regresso.

Led Zeppelin: o lado doce dos bárbaros


CD Long Ago and far Away: The Celtic Tribute to Led Zeppelin (CHTG, importado)
2007

Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 136 (setembro de 2007).



Disco-tributo apresenta uma visão peculiar das imortais canções do Led Zeppelin

Muitas pessoas sentem calafrios diante da simples menção da palavra “disco-tributo”. É compreensível: com a justificativa de tratar-se de uma singela “homenagem”, verdadeiras atrocidades já foram cometidas com artistas ilustres. Contudo, esse não é caso de Long Ago and Far Away: The Celtic Tribute to Led Zeppelin, editado pelo selo americano CHTG - até o momento, sem previsão de lançamento no Brasil -, no qual as canções do gigante liderado por Jimmy Page e Robert Plant são relidas (como o próprio título alude) sob uma formatação celta. Todas as faixas foram executadas pelo grupo Boys From County Nashville, uma provável agremiação de músicos de estúdio - que não possui nenhum outro trabalho senão este.

O povo celta - até ser subjugado pelo Império Romano - ocupou boa parte da Europa, com grande presença no território que hoje é a Grã-Bretanha. E a sua música melancólica influenciou bastante o Led Zeppelin - o que não causa nenhum estranhamento, em se tratando de uma banda inglesa. Aliás, podemos dizer que a suavidade celta serviu de contraponto à violência sexual quase bárbara, presente não somente na obra como também no cotidiano do quarteto - todos conhecem aquela estória do cação com a fã, não é mesmo?

As faixas do Led que já traziam o acento celta em suas gravações originais - como “That's the Way”, “Black Mountain Side” e “Bron-Y-Aur Stomp” - soaram absolutamente naturais. Aliás, as delicadas “The Rain Song”, “The Battle of Evermore” e “Going to California” (melodias capazes de sensibilizar até um viking) ficaram excelentes. Mas curioso mesmo foi ver aríetes do Led Zeppelin como “Black Dog” e “Rock and Roll” executados em arranjos urdidos por harpas, concertinas, banjos e gaitas de fole. E ainda que totalmente metamorfoseadas, ambas as canções são facilmente reconhecíveis. Ah, sim: você está se perguntando se “Stairway to Heaven” está nesse álbum, certo? Acredite: os tais Boys From County Nashville tiveram coragem de reler esse clássico. E sabe que ficou até bom?

Ainda que o resultado não tenha sido um disco propriamente estupendo, é impossível negar: ficou interessante. É o tipo do álbum agradável para se escutar... em uma longa viagem de carro, por exemplo.

Com isso, o ouvinte tem um modo diferente de ouvir as canções imortais do Led Zeppelin. E, por sinal, há rumores de que a banda - a exemplo do que ocorreu esse ano com o Police e a formação (quase) original do Van Halen - deverá retomar as suas atividades ainda em 2007, com Jason, filho do lendário John “Bonzo” Bonham, assumindo as baquetas.

Sandy & Junior: adeus também foi feito para se dizer

CD e DVD Acústico MTV (Universal Music)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 136 (setembro de 2007).



Acústico MTV marca a despedida da dupla Sandy & Junior


Em abril desse ano, os irmãos Sandy & Junior concederam entrevista coletiva para anunciar o término de sua carreira enquanto dupla - o que, convenhamos, não foi nenhuma surpresa para ninguém. Antes da despedida, porém, eles gravariam um Acústico MTV e sairiam em turnê para promover o trabalho e se despedir do publico. Pois bem: o produto acaba de ser colocado no mercado, em CD e DVD (seguindo a cartilha da emissora paulistana), via Universal Music.

E, para analisarmos não somente esse trabalho, mas a trajetória dos dois filhos de Xororó como um todo, devemos recorrer a uma das mais severas leis do marketing e da música: o target. Todos possuem um público-alvo - ou mais de um - para atingir. Isso é líquido e certo. E, mesmo que Sandy & Junior (por uma questão etária, cultural ou mesmo de gosto) jamais tenham feito música para você caro (a) leitor (a), a verdade é que, para os adolescentes - em especial, meninas - dos anos 90... eles acertavam na mosca.

E negar isso é uma arrogância gigantesca.

Basta ouvir com atenção, por exemplo, “A Lenda” (uma canção, na verdade, lançada originalmente pelo Roupa Nova) . Ou as versões que eles gravaram de “Inesquecível (Incancellabile)” ou “No Fundo do Meu Coração (Truly, Deeply, Madly)”. E eles nem incluíram “Não Ter” nesse Acústico...

O hermano Marcelo Camelo canta os primeiros 60 segundos de “As Quatro Estações” quase à capella - trazendo a canção para o universo de sua (ex?) banda - e isso é um elogio, claro. Já Lulu Santos toca slide em “Você pra Sempre (Inveja)”. E isso faz pensar: por que será que dois caras dessa envergadura emprestariam seu prestígio a esse projeto? Visibilidade? Grana? Ah, façam-me o favor.

Ivete Sangalo é a convidada da versão blues de “Enrosca” (de Guilherme Lamounier), grande sucesso na voz de Fábio Jr. E o Acústico ainda inclui duas inéditas: “Segue em Frente” (composta por Junior) e “Abri os Olhos” (de autoria de Sandy).

Bem, temos que falar de target mais uma vez: o tempo passou e os adolescentes da década de 1990 viraram pessoas adultas. E Sandy & Junior, dessa forma, não conseguiam mais dialogar com seu público. Sandy, portanto, passará a investir na sua carreira de cantora “séria” - ela andou fazendo alguns shows que incluíam jazz e MPB - e Junior, ao que parece, se dedicará ao ofício de instrumentista e produtor musical.

Vida que segue.