sexta-feira, 6 de julho de 2007

Henri Salvador: um pouquinho de Brasil, ia-iá

CD Révérence (V2 Music, importado)
2006

Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 131 (abril de 2007).



Crooner francês grava no Rio de Janeiro oito faixas de seu novo álbum

Para quem não conhece Henri Salvador, eis uma referência recente: o cantor foi o intérprete do tema do impagável Renato Mendes, personagem de Fábio Assunção na novela Celebridade: a deliciosa bossa "All I Really Want Is Love", faixa de Room With a View, lançado em 2002 pelo selo Blue Note. No final do ano passado, o artista editou na França, via V2 Music (lamentavelmente, ainda sem edição nacional), o seu novo CD Révérence, três anos após Ma Chère et Tendre, seu álbum anterior.

E, nesse trabalho, Salvador se reaproxima da música brasileira. Sobretudo, porque, das 13 faixas do trabalho, oito foram gravadas no Rio de Janeiro, com produção do violoncelista Jacques Morelenbaum. A capa, aliás, traz um mosaico de fotos tiradas na cidade: as pedras portuguesas do calçadão, um orelhão da Telemar, o chaveiro de uma suíte do Copacabana Palace (onde o cantor ficou hospedado um mês, durante as gravações), e por aí vai.

Essa foi a primeira vez que Henri Salvador retornou ao Rio desde 1945 - depois de ter vivido no Brasil por quatro anos, por ocasião de uma turnê que fez pela América do Sul com a orquestra de Ray Ventura. Das cinco canções restantes, quatro foram gravadas em Paris e uma em Nova York - a versão de "Hallelujah I Love Her So", de Ray Charles, vertida para o em francês sob o título de "Alléluia! Je L'ai Lans la Peau!".


Gil e Caetano são alguns dos convidados

Esse ano, Salvador (nascido na Guiana Francesa, departamento ultramarino da França - sendo, portanto, um cidadão francês) completa 90 anos de idade (!). Contudo, surpreendentemente, sua voz - pouca extensa, mas de inegável afinação e timbre agradabilíssimo - mantém o viço de outrora. Acompanhado nas sessões em solo brasileiro por músicos do naipe de João Donato, do baterista Marcelo Costa e do baixista Jorge Hélder, entre outros, o cantor passeia com elegância pela sonoridade da bossa ("Les Amours Qu'on Délaisse", "Les Dernières Hirondelles"), sem esquecer, no entanto, a sua natural proximidade com o jazz ("J'aurais Aimé"), com a chanson ("Italie (Un Tableau de Maître)") e com as big bands ("L'amour se Trouve au Coin de la Rue").

"Dans mon île", composta por Henri Salvador em 1957 - e conhecida no Brasil pela versão de Caetano Veloso -, inicialmente não integraria o repertório. Mas, a pedido de Morelenbaum, foi incluída e acabou se tornando a faixa escolhida para o videoclipe de divulgação do disco na França. Caetano, aliás, faz um bom duo com o anfitrião em "Cherche La Rose" (sucesso na voz da cantora alemã Marlene Dietrich). E isso não é novidade: no momento em que Caê se distancia do abominável você-foi-mór-rata-comigo, suas probabilidades de acerto aumentam consideravelmente.

Um dos destaques do disco é "Tu Sais Je Vais T'aimer" (o clássico "Eu Sei Que Vou te Amar", devidamente vertido para o francês), apresentada em duas versões: uma cantada solitariamente por Salvador; e a outra cujo convidado especial é ninguém menos que Gilberto Gil, que faz a sua participação cantando em bom português. Esse dueto, no entanto, não foi presencial: em função de suas atribuições como ministro, Gil não chegou a encontrar Henri Salvador pessoalmente.

Em "La Vie Cést la Vie", que abre o álbum, Salvador diz "La vie c'est la vie, il faut se la vivre, jusqu'à en crever" ["a vida é a vida, é preciso vivê-la, até a morte"]. E, em entrevista recente, Henri Salvador declarou que Révérence recebeu esse título por tratar-se de "uma despedida. Mas do palco, não dos discos. Enquanto ainda tiver voz, continuarei a cantar e a fazer discos. É preciso aproveitar, não?"

Sorte a nossa.

Evanescence no Brasil

Artigo publicado no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 131 (abril de 2007).



Saiba mais sobre os shows que a "cantora lírica que despencou em cima de uma banda de metal" fará em solo brasileiro

Com a autoridade de quem vendeu mais de 18 milhões de cópias no mundo inteiro, a banda norte-americana Evanescence chega ao Brasil para apresentações da turnê que promove seu mais recente álbum, The Open Door [foto], lançado no segundo semestre do ano passado.

O Evanescence foi formado nos final dos anos 90, quando, ainda adolescente, a (bela) cantora e pianista Amy Lee - nascida na interiorana cidade de Little Rock, capital do Arkansas - encontrou o guitarrista e compositor Ben Moody em um "retiro espiritual" de férias. Lee (católica praticante) e Moody - ainda que jamais tenham se apresentado ao vivo como um duo - começaram a gravar e até emplacaram alguns EPs na parada de rock cristão. Conseguiram também lançar o álbum Origin, que não obteve grande repercussão.

Consta que, posteriormente, Moody e Lee estavam masterizando demos em um estúdio em Memphis, quando chamaram a atenção do produtor Pete Matthews. Nessa época, juntaram-se à dupla William Boyd (baixo), John LeCompt (guitarra) e Rocky Gray (bateria). E, assim, o grupo conseguiu um contrato com a Wind-Up Records, gravadora do Creed.

Ainda em fase de gravação, sem disco pronto, o Evanescence teve duas faixas - a balada "My Immortal" e a pesada "Bring Me to Life" - inseridas na trilha do filme do homem-sem-medo Demolidor, estrelado por Ben Affleck. A resposta obtida pelas duas canções apressou a finalização de Fallen (produzido por Dave Fortman e editado em março de 2003), que se tornou um dos maiores êxitos do metal em todos os tempos.

A melhor definição para o estilo do grupo seria uma manchete do tipo: "cantora lírica despenca em cima de uma banda de metal". Ou, como alguém já definiu anteriormente: uma amálgama entre a fúria do Linkin Park e a suavidade da cantora Tori Amos. A banda faz um som pesado, algo gótico - e, temos que admitir, muito bem produzido - que ganha contornos melódicos em função da voz de Lee.

A cantora, aliás, tem uma triste história de vida para contar - e o faz através de suas canções. Além de ter sido uma menina gorducha (dessas que sofrem chacotas na escola), ela tem um irmão epilético, perdeu uma irmã, de 3 anos de idade, vítima de uma enfermidade sem diagnóstico, e foi infeliz no amor - culpa do alcoólatra Shaun Morgan, do Seether (inclusive, o primeiro single de The Open Door, "Call Me When You're Sober" é "dedicada" a ele).

O sucesso de Fallen, contudo, começou a gerar atritos dentro do conjunto. Depois de entreveros com Amy Lee, Ben Moody deixa a banda em plena turnê européia de 2003, sendo substituído por Terry Balsamo (que, no outono de 2005, sofreu um derrame cerebral, mas já se encontra recuperado). No ano passado, o baixista William Boyd abandona o barco, sendo substituído por Tim McCord. Em meio à tempestade, a gravadora quis absorver o máximo possível do monstruoso sucesso da banda e soltou um disco ao vivo, Anywhere But Home (2004). A verdade é que muitos pensaram que o Evanescence jamais lançaria um outro trabalho.

No entanto, contrariando os prognósticos mais pessimistas, o grupo editou seu segundo álbum de estúdio, The Open Door, que não apresentou mudança alguma na fórmula do sucesso. Assim, a banda segue em frente. Amy Lee, aliás, está até de casamento marcado: o felizardo chama-se Josh (também nascido em Little Rock), tem 28 anos, e atua como terapeuta em uma associação cristã de auxílio a toxicômanos.


Banda se apresenta em quatro capitais brasileiras

Por tudo isso, há uma enorme expectativa para os shows do Evanescence no Brasil, por parte de seus numerosos fãs - em sua esmagadora maioria, adolescentes -, fascinados pela temática melancólica e atormentada da banda. O que pode significar que, para pessoas de faixa etária superior a 21 anos, a audição de um álbum do grupo talvez seja uma experiência tão agradável quanto um pneu furado em uma estrada deserta, à noite.

[Nota: não deixa de ser... hum... exótico o fato de uma cidade praiana e calorenta como o Rio de Janeiro abrigar tribos de... góticos. Isso faz lembrar o ano de 1993: a febre grunge assolando o planeta (cortesia de Nirvana e cia.) e, em pleno verão carioca, garotos literalmente derretiam dentro de camisas-de-flanela, como se estivessem em Seattle. Tem de tudo nesse mundo, não?]

A banda tem apresentações agendadas em quatro capitais brasileiras: 17 de abril, em Porto Alegre (no estádio do Gigantinho); dia 19 em Curitiba (Pedreira Paulo Leminski); São Paulo (Parque Antárctica) no dia 21; e Rio de Janeiro (Apoteose) em 22 de abril.

Juanes: sangue latino

CD Mi Sangre (Surco, Universal Latino, importado)
2004

Artigo publicado no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 131 (abril de 2007).



Pop star colombiano emplaca música no horário nobre brasileiro

Brasileiro tende a olhar de cima para baixo para os seus hermanos latinos. E isso de maneira generalizada - do México ao Uruguai. Difícil saber qual a razão de uma postura tão arrogante. Pensa bem: que diferença pode haver entre os demais povos do continente... e nós? Por que eles são vistos aqui de maneira tão ridícula (visto que, entre outras semelhanças, somos tão sentimentalóides quanto eles)?

Será que o Brasil foi transferido para a Europa e agora passou a ser um país anglo-saxão (e ninguém fez a gentileza de me avisar)?

Existe até um provérbio (aliás, isso já foi comentado aqui no IM): "se bunda falasse, falaria espanhol". Coisa feia. E a ojeriza é tamanha que acaba se alastrando para a apreciação musical. Inclusive, quando um artista brasileiro grava em espanhol, neguinho diz que é "estratégia de marketing da gravadora" para "atingir o mercado latino". Ah, faça-me o favor.

A despeito de nomes como Ricky Martin e Shakira, a América Latina possui artistas de qualidade que não têm a devida visibilidade no Brasil, como os argentinos Fito Paez, autor já gravado por Caetano Veloso (a linda "Um Vestido Y Un Amor") e pelos Paralamas do Sucesso (o hit "Trac Trac"), além de Charly García (cuja "De Mí" foi registrada por Lulu Santos em seu Liga Lá, de 1997), entre outros. O mexicano Luis Miguel não seria um exemplo adequado: direciona seu trabalho a um público de faixa etária mais elevada e, astuto, prioriza os clássicos do cancioneiro hispânico.

Tudo bem, o mercado interno brasileiro é fortíssimo - inúmeros bons expoentes, aliás, acabam não tendo seu valor reconhecido. Mas, mesmo assim, o país poderia ser, musicalmente, mais... amistoso para com a sua vizinhança.

Entretanto, eis que o imprevisível acontece: uma canção latina embala o romance dos pombinhos na novela das oito. E, suprema ironia: o povo acaba gostando da música.


Mi Sangre foi editado, na verdade, em 2004

Estamos falando de "Para Tu Amor", canção simples, porém de grande intensidade, que ganhou destaque na trilha da recém-encerrada novela Páginas da Vida. Faixa de Mi Sangre, terceiro álbum do pop star colombiano Juanes (editado, na verdade, em 2004), "Para Tu Amor" acabou, indiretamente, batizando o trabalho (o título saiu da letra dessa canção: "para tu amor, lo tengo todo/ desde mi sangre hasta la esencia de mi ser").

Seu álbum anterior, Un Día Normal, de 2002, permaneceu na Billboard Latina por dois anos seguidos, estando no Top Ten por 92 semanas - um recorde. Também gerou vários singles de sucesso, e oito indicações ao Grammy, tendo sido laureado em cinco.

Na ocasião, é possível que muita gente aqui no Brasil tenha achado esquisito. Assim como deve ter recebido com igual estranheza a notícia de que Juanes participou de uma faixa no álbum Duets: An American Classic, de Tony Bennett. Mas esses são indícios claros de que a mentalidade vigente no Brasil muito provavelmente está... equivocada.

Por sinal, Mi Sangre é um disco razoável de pop rock - e muito bem produzido, aliás (o lançamento de seu sucessor já foi anunciado para setembro desse ano). Seus melhores momentos são "Sueños", "Nada Valgo Sin tu Amor", "Amame" e "Volverte a Ver".

De qualquer forma, o álbum abriga uma faixa cantada em espanhol que cometeu a façanha de obter (ainda que com o auxílio luxuoso da máquina televisiva) grande aceitação popular em nosso país.

E isso dá no que pensar.

E o disco vira literatura...

Artigo publicado no jornal IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 131 (abril de 2007).



Site oferece gratuitamente e-books inspirados em clássicos do rock

Na contramão dos álbuns que foram inspirados em livros, a Mojo Books vem com uma idéia insólita: disponibilizar gratuitamente em seu site (mediante um simples cadastro) uma série de romances escritos sob a influência de discos consagrados da música pop como Pet Sounds (a obra-prima dos Beach Boys), Racional (Tim Maia), o cavalo-de-vendas Thriller (Michael Jackson), Transformer (Lou Reed), Technique (New Order), Doolittle (Pixies), In It For the Money (Supergrass), Dummy (Portishead) e muito mais.

A cada semana, um novo título é lançado. E, no momento em você estiver lendo esse artigo, certamente já estarão disponíveis os livros Cartola e Ziggy Stardust (David Bowie). Também é possível obter os arquivos de capa (em extensão *.jpg), que podem ser impressos e guardados em tradicionais caixas de CD - esse, aliás, é o formato dos livros.

Uma curiosidade é com relação à tiragem: como se fossem "livros de verdade", todos os títulos possuem uma quantidade limitada de downloads - sendo que os de menor apelo terão um número inferior de exemplares disponíveis. E no momento em que um e-book esgota, não há reposição - quem não baixou... paciência. No fechamento dessa edição, inclusive, o site informava que Revolver, dos Beatles, já havia esgotado.

Outros títulos previstos são: Madonna, Ramones, Beatles (novamente), The Doors, Mutantes, Duran Duran, Velvet Underground, Strokes, Radiohead, Vangelis (a trilha de Blade Runner) e muitos outros.

Com sua inteligente iniciativa de aproximar a literatura da música pop, a Mojo Books traz um atrativo extra à leitura - hábito tão pouco estimulado em nosso país. E vale lembrar aos escritores em potencial que as portas estão abertas para novos trabalhos: é só enviar a sinopse e, havendo interesse, o site entra em contato.

O endereço é: www.mojobooks.com.br

"Mondo Cane": 15 anos de uma pérola perdida

CD Mondo Cane (Polygram)
1992

Artigo publicado no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 131 (abril de 2007).



Considerado um dos melhores trabalhos de Lulu Santos, álbum permanece fora de catálogo



Em 1992, Lulu Santos vinha de um álbum com desempenho apenas razoável: o bom Honolulu, que teve apenas um hit, a bela "Papo Cabeça" ("Ñ Acredito", versão de "I'm a Believer", de Neil Diamond, teve execução radiofônica discreta). Esse foi o último dos cinco discos que Lulu gravou para a RCA (atual Sony BMG). Naquele mesmo ano, o cantor assinou com a antiga Polygram (que, posteriormente, tornou-se a Universal) para gravar o sucessor de Honolulu: o ótimo Mondo Cane - que acabou sendo o seu único trabalho na companhia.


Considerado hoje pelo próprio Lulu um disco "triste e angustiado, concebido em um momento difícil de minha vida", o fato é que Mondo Cane (apesar de seu insucesso comercial) é considerado pelos admiradores do cantor um de seus melhores trabalhos. Ainda que guardasse resquícios da busca pela brasilidade evidenciada em Popsambalanço & Outras Levadas, de 1989 - o que fica claro no samba "Realimentação" e na bossa "E Então (Boa Pergunta)", que fecha o disco -, Lulu permitiu-se influenciar pelo rock vigente naquele período (leia-se: Nirvana) e, por essa razão, gravou quase metade do disco com guitarras bem distorcidas, realçando o notável instrumentista que o músico carioca sempre foi.


A formatação pop que o consagrou, no entanto, não poderia ficar de fora: já se apresenta, de cara, em "Um Vício", a faixa que inicia o álbum. Apesar da sonoridade ensolarada, a letra é pura amargura, em sua definição clara e objetiva do amor: "a euforia quente, que te encharca o corpo, a mente/ não te pertence: é induzida por algum agente/ e, com a mesma rapidez que você chega aos céus/ o inferno passa a ser seu lar". A tensão prossegue com o ska "Cicatriz" ("eu te afoguei no líquido/ desse pântano escuro que eu chamo de amor") e com o pop pulsante de "Foi Mal", cuja letra é igualmente azeda ("hoje eu reconheço minha estupidez/ penso que aprendi a lição/ o líquido e certo é que não me amas, não").


"A Coisa Certa" soa como as famosas "bandas de franjinha" da Manchester dos anos 90, e traz um trocadilho inteligente: "quero lhe oferecer o meu presente/ tomara que você aceite, e que fique contente (...)/ ninguém jamais enjoaria de um presente/ pois todo dia haveria um novo, diferente". Pouquíssimas pessoas notaram que, quando Lulu falou em "presente", referia-se ao momento atual - e não a um presentinho de aniversário.


A belíssima "Apenas Mais Uma de Amor" poderia ser classificada como uma "moda de viola Beatle", e foi o único hit radiofônico do álbum (tendo voltado a fazer sucesso em 2000, quando regravada para o projeto Acústico MTV). E aí começa o módulo mondo cane.




Em 2002, cantor disponibilizou o disco em mp3 para download gratuito em seu site oficial


"Ecos do Passado" é distorção do início ao fim e, como o título entrega, fala de lembranças pretéritas - e também da vida na estrada: "deixa a casa limpa e pé na estrada/ que não vai dar em nada, não/ mas pega bem, circular". A furiosa "Fevereiro", forte candidata a melhor faixa do álbum, tem um riff mortífero, e uma letra de imagens caóticas ("ar, é necessário respirar/ fugir debaixo dessas nuvens de metal/ ferro fundido, enxofre e fel"), que não poupam nem a Vênus Platinada: "eu tenho ganas de voar/ fugir do lixo obrigatório da estação/ caras e cus na televisão". E pensar que, na época, ele cantou essa música em pleno Domingão do Faustão...


"Máquinas Macias", pesadíssima, fala de sexo cerebral ("máquinas macias, autolubrificantes (...)/ resfolegando a noite inteira produzindo o gozo/ e nada menos, e nada mais"), aproveitando para - a exemplo do ocorrera em "Senta a Pua", do disco anterior - novamente subverter "Fire", de Jimi Hendrix ("oh move over, Rover/ and let Lulu take over"). Depois da tempestade, um momento de delicadeza: a tocante "Aquela Vontade de Rir", de Zé Renato e Hamilton Vaz Pereira, onde o cantor é acompanhado apenas por suaves teclados.


Por uma dessas inacreditáveis mazelas da ridícula indústria fonográfica, Mondo Cane (cujo título foi inspirado no bárbaro documentário do italiano Gualtiero Jacopetti, 1962), permanece fora de catálogo - ainda que, em 2002, por ocasião dos dez anos de lançamento do álbum, Lulu Santos o tenha disponibilizado integralmente em mp3, para download gratuito, em seu site oficial.


Em entrevista recente, Lulu acenou com a possibilidade de a Sony BMG (sua atual gravadora) adquirir os direitos do álbum para reeditá-lo em um box comemorativo. Que isso venha a se confirmar. O pop nacional não pode prescindir de um trabalho desse calibre.

James Morrison: a bola da vez

CD Undiscovered (Universal)
2006

Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 131 (abril de 2007).



Vencedor do BritAwards 2006 tem o seu (bom) álbum editado no Brasil

Depois do inglês Blunt (que, indiretamente, tornou-se personagem de uma situação inédita: os ouvintes brasileiros telefonando para as rádios, implorando, "pelo amor de Deus", para que PARASSEM de tocar "You're Beautiful"), um outro James é a grande aposta de sucesso na música pop mundial. Trata-se de James Morrison, também inglês, que tomou de assalto o verão europeu com o single "You Give Me Something", faixa seu primeiro álbum, Undiscovered, que acaba de ser editado no Brasil pela Universal.

Hoje com 21 anos de idade, Morrison passou por maus bocados na infância. Em entrevista ao site Teen Hollywood, ele contou que tem um problema respiratório desde quando era bebê e que "morreu" quatro vezes e foi "ressuscitado" pelos médicos. "Tecnicamente, eu morri quatro vezes. E os médicos disseram à minha mãe que eu tinha 75% de chances de ter algum problema mental por causa disso, mas ela se negou a desligar os aparelhos", disse o cantor.

Aos 13 anos, foi apresentado ao blues por um tio e, desde então, essa é a sua maior fonte de inspiração, ao lado do r&b, soul, pop e gospel. - influências devidamente colocadas em prática no álbum. Undiscovered é um trabalho interessante, com pianos e metais onipresentes nos arranjos, e que - repleto de timbres vintage - mostra-se totalmente despreocupado com modernidade e originalidade.

A verdade é uma só: alguém sempre irá recorrer à música negra. E com gigantescas chances de se dar bem.


No encarte, cantor enumera suas influências

Pelo seu modo melancólico, bluesy de cantar, a imprensa britânica já o chamou de "Otis Redding inglês" - o que é curioso, porque a influência mais perceptível em James Morrison é a de... Stevie Wonder ("The Letter", até pela evidente gaita, é um bom exemplo). Destaque para "Wonderful World", "Under the Influence", a faixa-título e as baladas "The Pieces Don't Fit Anymore" e "The Last Goodbye".

No encarte do disco, ele lista os artistas que inspiram suas composições e interpretações: “Stevie Wonder [nota: o primeiro nome mencionado pelo cantor. Sintomático, não?], Otis Redding, Al Green, Michael Jackson, Van Morrison, Cat Stevens, Nirvana, Spencer Davies Group, Radiohead, Sly Stone, Marc Bolan, Toots & The Maytals, Ray Charles, Nina Simone e Jimi Hendrix”.

James Morrison, aliás, foi agraciado com o prêmio de melhor cantor na edição do BritAwards do ano passado. Ouça Undiscovered e descubra por quê.