sexta-feira, 9 de novembro de 2007

The Police: 'aqueles dias' voltaram


CD The Police (Arsenal, Universal)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 135 (agosto de 2007). Versão atualizada.


“Those days are over”? Que nada: aproveitando o histórico retorno, é lançada boa coletânea dupla do grupo

Há exatos 30 anos, The Police (ainda com Henri Padovani na guitarra) editava “Fall Out”, seu primeiro single. E foi justamente essa efeméride que serviu de justificativa para que o grupo retomasse as suas atividades, anunciando turnê mundial que se estenderá até março de 2008 e também o lançamento de um MTV Unplugged. Aproveitando o momento, a gravadora Universal (em parceria com o selo Arsenal) acaba de colocar no mercado uma coletânea dupla, batizada apenas com o nome do trio.

Formado por músicos de notável técnica - o baixista Sting, o guitarrista Andy Summers e o estupendo Stewart Copeland na bateria - o Police, durante breves sete anos de carreira, gravou apenas cinco discos de estúdio - Outlandos d'Amour, 1978; Reggatta de Blanc, 1979; Zenyatta Mondatta, 1980; Ghost in the Machine, 1981; e Synchronicity, 1983 -, que exerceram enorme influência em muita gente (inclusive aqui no Brasil). Com canções simplesmente perfeitas, embaladas em uma instigante mistura de punk, rock e reggae, o grupo certamente assegurou seu lugar no panteão dos dez melhores de todos os tempos.

Certa vez, alguém disse, sabiamente, que o Police era uma banda que “não tinha medo dos espaços vazios”. Verdade. Poucos grupos na história do rock levaram tão sério a postura do power trio - no estúdio, não exageravam nos overdubs [nota: gravações sobrepostas de um mesmo instrumento - em especial, guitarras e teclados]. E, na atual turnê, estão apenas os três músicos no palco - sem teclados, backing vocals, nada.

A última apresentação da banda foi diante de 60 mil pessoas no dia 04 de março de 1984, na Austrália, no término da tour do álbum Synchronicity. Consta que, durante um show realizado em Atlanta, naquela mesma turnê, Sting olhava a multidão e pensava: “Chegamos no topo. Não há mais para onde ir. Daqui para frente... é só queda.” Provavelmente foi essa impressão - somada às constantes brigas internas - que acabou levando o Police a um recesso do qual retornaria somente esse ano. E jamais houve uma reunião formal entre os três integrantes para que ficasse acertado o fim do grupo.

Já no ano seguinte, Sting lançou The Dream of Blue Turtles, álbum híbrido de pop e jazz, dando início a uma bem-sucedida carreira solo - que, via de regra, é sempre alvo da antipatia da crítica. Mas isso é assunto para um outro artigo...


Turnê mundial passará pelo Brasil

O trio chegou a se reunir em situações especiais (para três shows da Anistia Internacional, em 1986; para o casamento de Sting com a atriz Trudie Styler - onde tocaram para os privilegiados convidados da festa - em 1992; e no ingresso da banda no Rock'n'Roll Hall of Fame, em 2003). E, em 1986, os músicos chegaram a entrar em estúdio para gravar uma nova versão de “Don't Stand So Close to Me”, que foi o chamariz para a coletânea Every Breathe You Take - The Singles. Entretanto, a consolidação, disco após disco, da carreira solo de Sting - a despeito das opiniões contrárias da imprensa musical - fazia com que uma volta do Police se tornasse uma hipótese cada vez mais remota.

A primeira aparição do redivivo grupo foi na entrega do Grammy, no dia 11 de fevereiro desse ano. Tocaram “Roxanne” e encantaram não somente ao público presente à cerimônia como também a milhões de pessoas que assistiam à transmissão via satélite, em todo o planeta. O frescor e vitalidade dos músicos deixaram a impressão geral de que o tempo não havia passado. Logo no dia seguinte ao Grammy, diante de uma pequena e animada platéia, o Police realizou um mini-show no Whisky a Go-Go de Los Angeles, onde foi feito o anúncio oficial da turnê.

Quanto à compilação recém-lançada... Bem, o repertório é impecável: “Every Little Thing She Does is Magic”, “Message in a Bottle”, a ótima “King of Pain”, “Walking on the Moon”, “Every Breathe You Take”, os clássicos estão todos lá - inclusive, a já mencionada “Fall Out”. Portanto, para quem está chegando agora e quer se inteirar no assunto, é altamente recomendável. Para os fãs de primeira hora, contudo, o ideal é a caixa quádrupla (importada) Message in a Box - The Complete Recordings, de 1993, que, além dos sucessos, apresenta raridades, lados B e faixas gravadas ao vivo. Coisa fina mesmo.

Ou, então, é só aguardar o lançamento do Acústico do trio. E, principalmente, a apresentação (única) da banda em terras brasileiras, após 25 anos (!) - o show está marcado para o dia 08 de dezembro, no Estádio do Maracanã. Contagem regressiva.

TV On The Radio: souvenir do show


EP Live At Amoeba Music (Interscope, importado)
2007

Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 135 (agosto de 2007).



EP registra a energia de uma apresentação ao vivo do grupo americano

A apresentação do TV On The Radio na edição de 2006 do Tim Festival foi marcada por um grande imprevisto: os instrumentos foram extraviados pela empresa aérea que trouxe o grupo americano ao Brasil (viram só? Não é só a aviação brasileira que faz besteiras - se bem que, aqui, os desdobramentos são INCOMPARAVELMENTE mais graves). Resultado: os compatriotas do Thievery Corporation emprestaram seus equipamentos e o show do TVOTR transcorreu sem problemas.

Naquela ocasião, a banda do vocalista Tunde Adebimpe veio divulgar o seu segundo CD, o ótimo Return to Cookie Mountain, álbum que misturava soul, psicodelia e rock, cuja sonoridade foi definida como “experimental, porém acessível”. E, mais ou menos na mesma época do Tim Festival - para ser mais preciso: no dia 22 de setembro do ano passado -, o TVOTR fez uma performance na loja de discos Amoeba (que também possui um selo musical), em Hollywood - a rede possui filiais também em San Francisco e Berkeley.

(Curiosidade: a mesma loja em Hollywood, há dois meses atrás, teve a honra de apresentar um pocket show de ninguém menos que Sir Paul McCartney. Obviamente, foi uma aparição surpresa....)

Parte dessa apresentação do TV On The Radio transformou-se no EP Live At Amoeba Music (Interscope, importado). A bolacha tem quatro faixas - todas de Return...: “Wash The Day”, “Wolf Like Me”, “Blues From Down Here” e a bela “Province”, que, na gravação original, contava com a participação de David Bowie - que declarou publicamente ser fã da banda.

O EP registra a energia do grupo em cima do palco e acaba sendo um interessante souvenir de um show do TVOTR. Mas a verdade é que, exceção feita a “Province”, Return to Cookie Mountain possui canções bem melhores do que as que foram incluídas em Live At Amoeba Music. Exemplos: “Hours”, “Tonight” e “I Was a Lover”.

De qualquer forma, vale como registro. E, depois da calorosa acolhida obtida pelo segundo álbum da banda, aguardemos o que virá por aí em seu terceiro trabalho.

Elton John: recordar é viver

CD Rocket Man - The Definitive Hits (Universal)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 135 (agosto de 2007).



Comemorando a entrada do astro inglês para o clube dos sexagenários, compilação revisa seus sucessos

Em março último, Elton John completou 60 anos. E, para “comemorar” a data, acaba de ser editada a coletânea Rocket Man - The Definitive Hits (Universal), a segunda em apenas cinco anos - a primeira foi Greatest Hits, de 2002, apresentada em versões dupla e tripla.

A partir do respeitável Made in England, de 1995 (o primeiro trabalho depois de sua reabilitação das drogas), a verdade é que Elton só tem feito discos à altura de sua reputação - mas que, infelizmente, não tem obtido a devida repercussão. Exemplo disso é o fato de o bom CD do ano passado, The Captain and the Kid, (seqüência do conceitual Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy, de 1975, que trazia o hit “Someone Saved My Life Tonight”) ter passado em brancas nuvens.

Aí é que entram os greatest hits - para que o artista permaneça em evidência - obviamente, capitalize em cima disso - e ninguém esqueça, no caso de Elton, o grande artífice que ele sempre foi. Afinal, não é todo dia que alguém compõe uma “I Guess That's Why They Call it The Blues”.

O problema é que, quase sempre, coletâneas não são perfeitas. No caso dessa: tem “Little Jeannie”, por exemplo? Não. E “I'm Still Standing” ou “The One”? Também não. Mas, puxa, tem, entre outras, “Daniel”, a clássica “Your Song” (é, essa não poderia faltar mesmo), “Goodbye Yellow Brick Road” e a bela “Tiny Dancer”, da trilha do filme Almost Famous.

A edição nacional traz a disco “Don't Go Breaking My Heart” (dueto com a também inglesa Kiki Dee) e “Sad Songs (Say So Much)”, ausentes da versão importada. E, além disso, um mimo todo especial para os fãs brasileiros: a raríssima segunda gravação de “Skyline Pigeon”, que fez grande sucesso por aqui. Originalmente editada no álbum de estréia do cantor, Empty Sky, de 1969, a canção era marcada pela presença de um harpsichord. Quatro anos depois, Elton voltou a gravá-la (dessa vez com um novo arranjo, sem o harpsichord) e lançou a faixa como lado B de um single. E, cá para nós: a segunda versão é bem mais bonita...

Se você, até hoje, não possui nenhuma compilação de Elton (não conte isso para ninguém, OK?), até que Rocket Man - The Definitive Hits vem bem a calhar. Porque uma coisa é certa: existem pouquíssimos autores pop iguais a esse cara.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Lulu Santos: todos reunidos em uma pessoa só



CD Long Play (Som Livre)
2007





Cantor se mostra multifacetado em Long Play, seu novo CD

Durante a sua já extensa carreira, Lulu Santos já flertou com os mais diversos estilos: rock, bolero havaiano, samba pop, discothèque e afins. Tudo por "libido", como ele mesmo afirma. E várias dessas possibilidades estéticas se fazem presentes - e de maneira bastante natural - em Long Play (Som Livre), seu 21º álbum.

Ainda que apresente guitarras bem menos ostensivas do que em Letra e Música (2005), seu ótimo CD anterior, o disco novo não deixa de ter uma sonoridade de banda. E o background de rock do músico fica claro na nervosa "Domingo Maldito", onde, a exemplo dos Titãs (em "Domingo", de 1995), Lulu também pragueja o "dia de descanso". A tensão está também no crossover de "Dopamina", que mistura guitarras ásperas e uma bateria seca a seqüenciadores e vocais levemente distorcidos. Já "Contatos" (a primeira faixa de trabalho) e "Ninguém Merece" trazem a assinatura pop típica do autor de "Fogo de Palha".

"Olhos de Jabuticaba", que abre os trabalhos, é canção pop dançante de inegável brasilidade - o berimbau contribui muito para esse sabor. "Seu Aniversário" é uma convincente faixa disco de parabéns - que, aliás, conta com dois remixes (sendo um instrumental, para... hã... karaokê).

Depois de tantas incursões no samba, Lulu já demonstra intimidade com o estilo. "Propriedade Particular" e "Boa Vida" têm toda a estrutura harmônica e melódica tradicionais do gênero - ambas, porém, com arranjos bem atualizados. Engenhoso. Já a eletrônica algo Kraftwerk fica evidente na sinuosa e minimalista "Surreal".

As duas surpresas do álbum são: a versão de "Deixa Isso pra Lá", considerado o primeiro rap nacional, imortalizado na voz de Jair Rodrigues; e, numa provável forma de endossar o funk carioca, o registro interessante de "Se Não Fosse o Funk", sucesso de MC Marcinho. Até mesmo quem não gosta de batidão periga gostar dessa faixa...

Ainda que sem superar o seu antecessor, Long Play é um disco de Lulu Santos - e isso, por si só, já diz bastante coisa. Todo mundo sabe: em se tratando de pop nacional, ele é o cara.

Caetano Veloso: Torre de Babel

CD Língua (Universal)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Coletânea desigual apresenta gravações do compositor baiano em outros idiomas

Às vezes, é difícil compreender os critérios das gravadoras. Tudo bem, negócios são negócios - e todos precisam sobreviver. Entretanto, no afã de auferir lucro, a indústria fonográfica quase sempre mete os pés pelas mãos. E, muitas vezes, acaba prestando um desserviço ao artista (por mais brilhante que ele seja) e a seu público. Esse é justamente o caso de Língua (Universal), compilação de Caetano Veloso que apresenta apenas fonogramas gravados em idiomas estrangeiros. As duas únicas exceções são "Estranha Forma de Vida", célebre na voz de Amália Rodrigues, cantada por Caetano com convincente sotaque luso; e o rap que batiza o CD, originalmente lançado em Velô, 1984.

Em que pese a qualidade de algumas faixas (e Caetano costuma acertar em releituras de canções alheias), como "Help", a linda "Vete De Mí", "Let It Bleed" e "Dans Mon Île" (do francês Henri Salvador), a coletânea peca por seu caráter desigual - provavelmente resultante da pouca intimidade com a obra do artista por parte de quem selecionou o repertório.

O clássico "Nine Out Of Ten", por exemplo, é apresentado em sua fraca segunda versão (do já mencionado álbum Velô), quando, na verdade, a gravação original, contida em Transa (1972), é simplesmente definitiva. Outro equívoco: escolher "Michelangelo Antonoini" e "Fina Estampa", deixando de fora a ótimas versões de "Jokerman" (de Bob Dylan) e "Mano a Mano" (Carlos Gardel).

Do álbum de 1969, "Cambalaches" foi incluída em Língua; já a bela "Lost in The Paradise", não. Isso sem contar a imperdoável ausência de "You Don't Know Me", faixa de abertura do supracitado Transa.

Mas o álbum tem um trunfo para os colecionadores: o dueto com o Professor Cauby Peixoto em "Cheek to Cheek", que não consta em nenhum dos discos do compositor baiano - está presente apenas em Cauby Canta Sinatra, de 1995. Fica, portanto, a sugestão de um álbum reunindo participações de Caetano (que não foram poucas) em trabalhos de outros artistas (como Cesaria Évora, Luciano Pavarotti, Sérgio Godinho e David Byrne, entre outros). Apesar da grande dificuldade que seria a negociação com várias gravadoras e editoras, esse, sim, seria um trabalho verdadeiramente complementar à obra de Caê - e de grande relevância para quem o admira.

Para os neófitos, Língua talvez valha a pena. Talvez. É uma coletânea de Caetano e, como tal, pode servir a quem não possui os discos originais que abrigam as faixas incluídas nesse CD. Mas, para os iniciados... melhor esperar o disco ao vivo que sai até o final do ano.

Pedro Mariano: ainda não foi dessa vez

CD Pedro Mariano (Universal)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Em seu quinto álbum de estúdio, o irmão de Maria Rita continua ser dizer a que veio


DNA de respeito, pelo menos, Pedro Mariano (que está de CD novo, epônimo, o primeiro pela Universal Music) tem: de um lado o maestro César Camargo Mariano; do outro, a maior cantora que esse país já teve (adivinha?). Se tudo dependesse apenas desse fator, o irmão de Maria Rita e João Marcelo Bôscoli mereceria melhor sorte. Trata-se de um intérprete de boa afinação e timbre agradável - embora não possua grande extensão de voz.

Mas o fato é que, em dez anos de carreira, ele teve apenas um registro fonográfico à altura de sua árvore genealógica: Piano e Voz (2004), gravado na companhia de seu famoso pai. Grande parte da qualidade daquele trabalho reside no fato de que, ali, Pedro procurou ser um cantor de MPB. Isso porque, via de regra, ele sofre de um mal chamado "indefinição estilística": ninguém sabe ao certo se ele quer ser cool ou imprimir swing à sua música.

E, em seu recém-lançado álbum, as incertezas continuam. "Tá Tudo Bem", que abre os trabalhos, é pop ensolarado é bem-intencionado - mas tão diluído quanto um envelope de Tang dentro de uma caixa d'água.

Jorge Vercilo - que, como autor, já acertou várias vezes - cede duas canções para o trabalho, ambas insípidas: "Poder" e "Personagem". Esta última é parceria com Ana Carolina que, como compositora, é uma cantora de grande material vocal. "Procurando por Mim" foi composta por Moska. E o autor de "A Seta e o Alvo" já escreveu coisas bem melhores...

Como fator complicador, Pedro insiste, mais uma vez, nas canções invariavelmente inócuas de Jairzinho Oliveira, como "Quarto Vazio", "Intacto" e o... hã... samba (?) "Sujou, Camarada". "Ventania" até que é melhorzinha. De qualquer forma, alguém deve ter dito que o filho de Jair Rodrigues era um grande compositor.

E agora? Ele acreditou.

Mas calma: nem tudo no álbum é assim tão ruim. Tem as versões chiques para "Além de Amar", de Djavan, e "Só Deus é Quem Sabe", de Guilherme Arantes, gravada por Elis em seu derradeiro álbum. De zero a dez, nota seis para ambas.

O melhor momento, na verdade, é "Risos e Memórias", que fecha o disco e, sinceramente, merecia fazer sucesso. Composta por Diego Saldanha (autor de "É Cedo", que o Roupa Nova gravou com a participação do próprio Pedro em RoupAcústico 2), a canção exige um enfoque, digamos... mais emocional - e Pedro não fez feio.

Mas, cá pra nós: uma música dessas na mão de um artista despudoradamente "romântico"...

Taí: provavelmente Pedro Mariano teria resultados muito melhores se fosse um intérprete menos blasé e mais intenso, mais espontâneo. Seria bacana se ele um dia acertasse a mão e se tornasse o jovem cantor de sucesso que, atualmente, o mercado brasileiro não possui.

Mas ainda não foi dessa vez.

Vanessa da Mata: falando sério

CD Sim (Sony BMG)
2007


Resenha publicada originalmente no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Em seu terceiro álbum, a cantora mato-grossense comete o seu trabalho mais ambicioso

A despeito do enorme sucesso de "Ai Ai Ai" ("Se você quiser, eu vou te dar um amor desses de cinema/ não vai te faltar carinho..."), faixa de Essa Boneca Tem Manual, seu segundo álbum, muitos ainda vêem Vanessa da Mata apenas como "aquela cuja voz é uma mistura de Adriana Calcanhotto com Marisa Monte". E esses vão levar um baita susto com Sim (Sony BMG), terceiro disco da cantora mato-grossense.


Produzido muitíssimo bem por Kassin e Mário Caldato Jr. e gravado entre o Rio e Kingston, Sim traz a participação de músicos do calibre de João Donato (que toca piano no quase-bolero "Meu Deus"), o baterista Wilson das Neves e os guitarristas Fernando Catatau, Pedro Sá e Davi Moraes, entre outros. Na parte jamaicana da empreitada, houve a colaboração da dupla de bambas do reggae Sly Dunbar e Robbie Shakespeare em cinco faixas, entre elas a simpática "Vermelho".


Os arranjos de "Baú" e "Fugiu com a Novela" são simplesmente surpreendentes: as distorções, os timbres modernosos e a brasilidade ocupam o mesmo lugar no espaço sem o menor sinal de conflito. E "Você Vai me Destruir", então? Uma canção derramada, de temática quase brega, sob um groove típico da disco. Inesperado.

"Minha Herança: Uma Flor" fecha o álbum trazendo apenas a cantora e seu violão (instrumento que ela mesma confessou não dominar), em um momento de delicadeza semelhante à "Nossa Canção" - em 2003, ela gravou uma das melhores versões do clássico da Jovem Guarda, de autoria de Luiz Ayrão.

"Boa Sorte/ Good Luck", dueto com Ben Harper, tem tido boa execução radiofônica. Esse é o primeiro single de um álbum que possui grande potencial comercial - em "Amado" e "Quem irá nos Proteger?", por exemplo. Detalhe: "Ainda Bem", faixa de seu disco anterior, ainda toca nas rádios, impulsionada pela inclusão na trilha da finda novela das sete.


Sim é um trabalho ambicioso e significará alguns passos à frente para a carreira de Vanessa da Mata. Decididamente, ela não está de brincadeira.

Michael Bublé: como nos velhos tempos


CD Call Me Irresponsible (Warner)
2007


Resenha publicada originalmente no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Michael Bublé permanece firme em sua opção de ser um crooner à moda antiga para as novas gerações

A estratégia é simples: um cantor jovem - e que realmente canta bem - sedimenta o seu repertório entre grandes standards americanos (em especial, os de Frank Sinatra), algumas poucas canções inéditas e desprezo absoluto pela estética do rock - mas não pelos compositores do gênero (como Eric Clapton, por exemplo). Essa é a fórmula do sucesso de Michael Bublé, que estourou mundialmente em 2004 com a impecável versão de "You'll Never Find Another Love Like Mine". E o canadense chega ao seu terceiro álbum de estúdio, Call Me Irresponsible, editado pela Warner.

Com o respaldo de mais de 11 milhões de cópias vendidas em todo o planeta, o jovem artista (de 31 anos) não viu razões para mexer em time vencedor. Dos clássicos eternizados por The Voice, Bublé escolheu dessa vez "That's Life", "The Best Is Yet To Come", "Dream", "I've Got The World On A String" e a faixa título - todos arranjados à moda antiga, sem invencionices.

Um suave sabor latino dá o tom em "It Had Better Be Tonight (Meglio Strasera)", de Henry Mancini. E o cantor ainda aproveita para reler, de maneira competente, "Me And Mrs. Jones", grande sucesso de Billy Paul nos anos 70, e "I'm Your Man" de Leonard Cohen. "Always on My Mind", já gravada por meio mundo, recebe do intérprete um registro suave, no melhor estilo fox.

Outro bom momento é "Wonderful Tonight", clássico do supracitado Eric Clapton, transformada em bossa nova na companhia de Ivan Lins, que cantou em bom português. É bem provável que God (que se tornou fã de João Gilberto depois de assistir a um concerto deste em Londres) fique satisfeito.

Mas o ouvinte atento perceberá sutis diferenças em relação aos trabalhos anteriores do artista. Uma delas é a participação do grupo Boyz II Men, responsável pelos backing vocais em "Comin' Home Baby", já gravada por Quincy Jones, Sérgio Mendes, Mel Tormé e muitos outros. Outra é "Everything", onde a sonoridade de big band foi deixada de lado em prol de uma formatação pop camerística. Inédita e autoral, a canção (escolhida como o primeiro single do álbum) possui refrão eficiente, bela melodia e tem obtido boa execução nas chamadas "FMs adultas" do Brasil. E assim, lentamente, o cantor começa a criar a sua própria cara.

O trabalho de Michael Bublé não prima exatamente pela originalidade. E muito menos pela modernidade. Mas será que alguém se importa com isso? Pelo menos, bom gosto não lhe falta.

Simply Red: simplesmente... uma pena


CD Stay (simplyred.com, Universal)
2007

Resenha publicada originalmente no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 134 (julho de 2007).



Em seu novo álbum, Simply Red dá munição aos seus detratores

Em 2005, ao lançar o refinado Simplified (no qual retoma alguns de seus sucessos, temperando-os com uma certa... hum... latinidad), Mick Hucknall, o músico que grava sob o nome Simply Red prometeu para o ano passado um projeto semelhante: Unplified, no qual outros hits seriam retomados, porém com a sua pegada característica. E não foi isso o que aconteceu. Hucknall preferiu editar (novamente pelo selo próprio simplyred.com, distribuído no Brasil pela Universal) Stay, CD de inéditas, o décimo de sua carreira.

E abandonar (ou adiar) a idéia do álbum de regravações acabou sendo um mau negócio. O Simply Red, detentor de um caminhão de boas faixas, dessa vez... desapontou. Entre as onze faixas do disco (sendo dez autorais, mais "Debris", do repertório do The Faces), não há nenhuma balada com a eficiência de uma "Say You Love Me" ou "You Got It". O balanço black das ancestrais "Something Got Me Started" ou "Come To My Aid"? Esqueça. Hucknall, apesar de ainda estar com a voz em dia, gravou um disco insosso, opaco, que soa como um mero esboço de si próprio. Depois da primeira audição, vai demorar para você ter vontade de ouví-lo novamente.

Para não dizer que tudo é absolutamente sem graça, é possível, com boa-vontade, salvar "So Not Over You", "The Death of Cool" (de todas as melodias, essa é a melhor) e "They Don't Know". Nenhuma três, no entanto, entraria em uma coletânea, sem sombra de dúvidas. O coral infantil em "Little Englander" é simplesmente constrangedor. Para um grupo com um passado feliz como o Simply Red...

Aliás, nem precisa ir tão longe: em comparação ao último de inéditas, Home, de 2003 - que teve pelo menos um sucesso, a boa versão de "You Make Me Feel Brand New", dos Stylistics -, Stay perde de goleada. E o pior é que, dessa vez, os detratores de plantão terão toda a razão. Se Hucknall gravasse o tal segundo álbum de sucessos, provavelmente se pouparia desse vexame.

Com o perdão do trocadilho infame: simplesmente... uma pena.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Paul McCartney: passado sempre presente



CD 
Memory Almost Full (Hear Music)

2007



Resenha publicada originalmente no Tom Neto.com




Em seu novo disco, Memory Almost Full, o ex-Beatle fala de suas lembranças. E também da idéia de fim.


Desde o lançamento de seu último álbum de inéditas, o belo e introspectivo Chaos And Creation In The Backyard (2005), Sir Paul McCartney não viveu momentos exatamente... tranqüilos. O ex-Beatle, depois de décadas na EMI, mudou de gravadora e viu o seu divórcio virar manchetes no mundo inteiro.

Apesar das intempéries, Memory Almost Full, ironicamente, soa mais... alegre do que o seu trabalho anterior. Este é o 21º disco solo de McCartney - o primeiro pelo selo Hear Music, empreendimento que envolveu a rede de cafeterias Starbucks e a gravadora Concord Music, o que fará com que seja comercializado tanto em lojas convencionais como nas filiais da Starbucks. Também será a primeira vez em que Paul disponibilizará um CD seu em formato digital. Consta que Macca ficou insatisfeito com a divulgação de Chaos And Creation ("a EMI não fez nada pelo álbum nos EUA") - e a ele foi prometido que o mesmo não aconteceria dessa vez.

O título alude à linguagem dos computadores, mas a intenção é mais ampla. Paul refere-se à sua própria "memória", repleta de recordações alegres e tristes de uma longa vida. O próprio músico definiu o trabalho como "um disco muito pessoal e, em muitos momentos, retrospectivo, desenhado da memória, como lembranças de garoto, de Liverpool e verões passados. (...) Creio que isso acontece porque estou nesse ponto de minha vida, mas então penso nas vezes que compus com John - e muito daquilo também foi feito olhando para trás. É como eu mesmo em 'Penny Lane' e 'Eleanor Rigby' - ainda estou usando os mesmos truques!"

De fato: ouvintes atentos encontrarão referências (intencionais?) a vários momentos da carreira do ex-Beatle nas 13 faixas do álbum - todas inéditas. O maior potencial comercial, no entanto, reside em "Ever Present Past", que já nasce clássica. Trata-se de uma verdadeira pérola pop, daquelas que ele (autor de algumas das mais lindas melodias do mundo) sabe fazer como poucos. E que certamente deverá funcionar muito bem ao vivo.

"Dance Tonight" é uma canção simples, descontraída, marcada por um bandolim que lhe confere ares folclóricos. "See Your Sunshine" soa, desde os vocais da introdução (bem ao estilo de sua finada esposa Linda McCartney, aliás), como algo do Macca circa anos 80 - tipo Pipes of Peace. "Only Mama Knows" começa com um suave arranjo de cordas. Subitamente, entram as guitarras, a cozinha rítmica - e, ao iniciar o vocal, o andamento acelera. A partir daí, temos uma faixa vigorosa, estilo "Junior's Farm".

A melódica e tristonha "You Tell Me" é estruturada ao violão de aço e cantada em falsete. "Mr. Bellamy" - um dos melhores arranjos do álbum - passeia entre o sombrio e o delicado. "Gratitude" é uma balada ao piano, com um leve sabor R&B, que mostra McCartney cantando de modo visceral, como em "Maybe I'm Amazed". Na letra, bastante pessoal, ele diz que, apesar de tudo, não quer "trancar o coração". E emociona:


Eu estava sozinho, vivendo com uma lembrança. 

Mas minhas noites frias e solitárias terminaram
quando você me protegeu.

Amado por você, eu era amado por você -
Quero lhe mostrar minha gratidão.



O espectro dos Beatles se faz presente, em especial, na suíte que engloba quatro músicas da segunda metade do álbum, numa inequívoca referência a Abbey Road: "Vintage Clothes" (curiosamente, uma visão crítica da nostalgia), prima de "If I Needed Someone", de George Harrison; os bons solfejos da discursiva "That Was Me" (que lembra bastante "Spinning On An Axis", de Driving Rain, 2001); "Feet In The Clouds" (impossível não pensar em "Every Night"), na qual vocoder e cordas convivem harmoniosamente; e "House of Wax", uma faixa de matizes épicos - e que apresenta um belo solo de guitarra.

"Nod Your Head", que encerra os trabalhos, é cantada de modo raivoso - ele tem a sorte de a sua voz não ter envelhecido nadinha - o que remete o ouvinte imediatamente a "I'm Down" ou "Helter Skelter".



Álbum mantém o nível do primoroso CD anterior


Já "The End Of The End" merece ser ouvida com uma atenção toda especial. Esse é o momento mais pungente de todo o álbum - e certamente um dos mais intensos de toda a carreira do baixista. Poucas vezes ele permitiu-se ser tão... autobiográfico. Depois da desilusão do fim de seu segundo casamento, Paul, aos 65 anos, talvez já consiga vislumbrar... o fim da estrada. Em versos comoventes, McCartney expõe os seus "últimos desejos". E mostra-se, inclusive, espiritualizado:



No final do final,

é o começo de uma viagem para um lugar muito melhor -
e isso não seria ruim.


Então, um lugar muito melhor teria que ser especial -

não precisa ser triste.
No dia em que eu morrer,

gostaria que piadas fossem contadas.
E estórias antigas sendo roladas como carpetes

nos quais as crianças brincaram. (...)



Produzido por David Kahne (que já trabalhou com Sublimes, Strokes e Bruce Springsteen), Memory... começou a ser concebido, na verdade, em 2003 - tendo sido interrompido para dar lugar a Chaos And Creation. E, a exemplo deste último e dos dois trabalhos anteriores - os bons Flaming Pie (1997) e o já mencionado Driving Rain - em Memory... Paul gravou sozinho praticamente todos os instrumentos.

[Nota: consta que Nigel Godrich, o produtor do último álbum, teve peito para rejeitar várias canções que McCartney levou para o estúdio durante as gravações, o que acabou gerando atritos entre os dois. Conclusão: algumas dessas faixas do disco novo podem ser as tais em que Paul acreditava - mas que não agradaram a Godrich.]

Memory Almost Full, além de manter o nível de seu primoroso antecessor, é um trabalho absolutamente condizente com a (ímpar) trajetória do músico. E não deixa de ser admirável o fato de Paul, mesmo tendo um nome a zelar, não abrir mão de criar, de olhar para frente - ainda que esse olhar carregue uma certa... nostalgia.

Mas não seria justo culpá-lo por isso: afinal, recordações... ele deve ter de sobra.

Erasmo: pequenos (grandes) momentos de uma obra brilhante

CD Erasmo Carlos Convida - Volume II (Indie Records)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 133 (junho de 2007).



Em Erasmo Carlos Convida - Volume II, o Tremendão recebe justa reverência Certa vez, Erasmo Carlos definiu-se como "um roqueiro que compõe com violão de nylon", espécie de elo perdido entre o rock e os gêneros brasileiros tradicionais, como o samba e a bossa nova. E essa versatilidade estética é um dos motes principais de Erasmo Carlos Convida - Volume II, recém-lançado pela Indie Records.



Exatamente 27 anos depois do cavalo-de-vendas Erasmo Carlos Convida, o Tremendão decidiu repetir a dose: convocou nomes ilustres para reler alguns momentos de uma obra simplesmente brilhante. E conseguiu o que provavelmente o que nem todos imaginavam: realizar um disco de duos tão bom quanto o anterior. Na verdade, muitos irão considerá-lo até... melhor.


Lulu Santos mandou muitíssimo bem em "Coqueiro Verde": ligou os seqüenciadores e concebeu o que poderíamos chamar de "samba do século XXI". Zeca Pagodinho conseguiu a façanha de transformar "Cama e Mesa" em uma música sua - e, por tabela, reabilitar uma das menos inspiradas parcerias de Roberto & Erasmo. Adriana Calcanhotto, no entanto, está apenas regular em versão um tanto Aqualung de "Ilegal, Imoral ou Engorda".


Los Hermanos optaram por um (eficaz) enfoque intimista para "Sábado Morto", originalmente lançada no clássico Sonhos & Memórias (1972). O Skank, por sua vez, está perfeito em sua releitura sessentista para "Banda dos Contentes", faixa-título do álbum de Erasmo de 1976. Já o alardeado apreço do lendário roqueiro pela MPB é exposto no ótimo dueto com Os Cariocas em "Pão de Açúcar (Sugar Loaf)". O veterano conjunto permanece irrepreensível nas harmonias vocais.




"Não Quero Ver Você Triste" é gravada com sua rara letra


Um dos momentos de maior destaque é gravação de "Olha", em que Chico Buarque parece confortável como se cantasse algo de sua autoria. Chico, aliás, vestiu a pérola de 1976 com a mesma elegância das suas gravações nos últimos vinte anos. Djavan e Marisa Monte emocionam, respectivamente, nas singelas "De Tanto Amor" e "Não Quero Ver Você Triste". Esta última oferece um atrativo extra: foi gravada com a rara letra escrita por Mário Telles, irmão da cantora Silvinha Telles. Esse é o terceiro registro da canção com essa letra - além de Mário, Claudette Soares também havia gravado.


Produzido por Mú Carvalho (A Cor do Som), trata-se de um álbum quase irretocável - são três as exceções (que, mesmo assim, não comprometem o excelente resultado final da empreitada): "Vou Ficar Nu para Chamar sua Atenção", com participação de Simone, que havia recebido ótimas versões de Erasmo (em 1970, no álbum Erasmo e Os Tremendões) e Roberto (em 1976); "O Portão", na qual o Kid Abelha não conseguiu transmitir a carga emocional que a faixa exige; e "Emoções", com o grande Milton Nascimento, canção cuja versão original está de tal maneira cristalizada no inconsciente popular, que é praticamente impossível alguém reler de modo satisfatório (o artista, vestido de branco, entrando no palco com um sorriso nos lábios, a orquestra tocando...)


De qualquer forma, Erasmo Carlos Convida II presta um grande serviço: homenagear este que é, sem dúvida, um dos maiores autores de música popular desse país, em todos os tempos.


E tenho dito.

A nova aventura de Damon Albarn

CD The Good, The Bad & The Queen (EMI)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 133 (junho de 2007).



Na companhia de figurões, o líder do Blur apresenta o seu novo projeto: The Good, The Bad & The Queen

Depois da literal "banda desenhada" [nota: esse é o termo utilizado em Portugal para designar história em quadrinhos] Gorillaz, muita gente esperava de Damon Albarn um novo álbum do Blur. Pois é, não foi dessa vez. O músico britânico optou por recrutar Paul Simenon (sim, esse mesmo: o baixista do Clash), Tony Allen (baterista de Fela Kuti) e o guitarrista Simon Tong (Verve) para pôr em prática o projeto The Good, The Bad & The Queen. O grupo, além de ter tocado na edição desse ano do conceituado Coachella Music Festival, na Califórnia, acaba de editar mundialmente o seu primeiro álbum, epônimo, pela EMI.

Quem imaginava que daí resultaria algo próximo de uma obra-prima pop - considerando o currículo dos envolvidos - terá mais um desapontamento: Albarn realizou, na verdade, um trabalho com forte influência folk. Você pensou agora em... sei lá, Cat Stevens? Esqueça.

Produzido por Danger Mouse (que vem a ser metade do duo Gnarls Barkley e também responsável pelo segundo disco do Gorillaz, Demon Days, 2005), o álbum realmente abusa dos violões. Mas os arranjos são temperados com efeitos viajandões mais facilmente encontráveis no dub jamaicano, criando uma atmosfera quase sempre soturna - que pode soar tediosa a alguns.

Embora a primeira da bolacha, a sombria "History Song", possa assustar as criancinhas, é claro que Albarn não perdeu a manha de compor canções assobiáveis: "Kingdom Of Doom" possui melodia britpop; "Northern Whale", a melhor do disco, tem um quê de John Lennon; e "80's Life" apresenta harmonias vocais típicas dos Beach Boys. Todas, entretanto, foram revestidas por um verniz experimental. Destaque também para "Green Fields", "Herculean" e a longa faixa-título, que finaliza os trabalhos com seus sete minutos de duração.

The Good, The Bad & The Queen tem lá seus momentos interessantes. Seu mérito maior, entretanto, é estar bem distante do óbvio.

Mas não é para qualquer ouvido.

O problema é que muita gente espera que Damon Albarn ainda venha a compor uma nova "Tender"...

Jorge Vercilo: os pingos nos is

CD/DVD Ao Vivo (EMI)
2006


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 133 (junho de 2007).



Cantor carioca faz um balanço da carreira em CD e DVD ao vivo

Quase doze meses após o seu lançamento, Ao Vivo (também editado em CD, pela EMI), o mais recente trabalho do carioca Jorge Vercilo, foi recentemente laureado com o DVD de Ouro. Pelos novos parâmetros adotados pela APPB (Associação Brasileira dos Produtores de Discos), as quase trinta mil cópias vendidas credenciam o músico à premiação. Esse é o seu segundo DVD - o primeiro foi Livre, 2003. No mês passado, Jorge também recebeu o Prêmio Tim, na categoria Melhor Cantor Pop.

Vercilo é um daqueles típicos casos de artista que tem público cativo - e cada vez mais numeroso - , mas que, por outro lado, não obtém respaldo por parte da crítica "especializada" (sim, com aspas). Mas por que será?

Como autor, a sua competência já está provada. Quem, em sã consciência, poderia dizer que a intensa "Fênix" é ruim? E o que deve "Do Jeito que For", digamos, à bela "Queixa", de Caetano Veloso? Além das duas citadas, Jorge compôs finos biscoitos pop como "Invisível", "Homem Aranha" e a carioquíssima "Que Nem Maré", o grande sucesso de sua carreira até o momento. O mesmo, no entanto, não pode ser dito sobre "Mona Lisa" - tentativa vã de repetir o êxito dessa última - e a embaraçosa inédita "Vela de Acender, Vela de Navegar" ("Vê-la me deixa assim a pé/ Vê-la me dá certeza de quem eu sou/ pra deixar de ser mané." Então, ...)

Bem, de qualquer forma, o saldo dele ainda é bastante positivo.

Como intérprete, ele também convence: basta ouvir a sua versão para "Beatriz", a jóia de Edu Lobo e Chico Buarque, cuja melodia sinuosa é simplesmente proibitiva para muitos que se cadastraram na Ordem dos Músicos como "cantores".


Munição para convencer os incrédulos

As restrições da crítica são, basicamente, duas. Em primeiro lugar: exatamente como Pedro Mariano, Vercilo sofre de uma certa... indefinição estilística. As pessoas eventualmente não sabem se ele pop ou se é MPB - e, com isso, ele acaba não sendo nem uma coisa... e nem outra. O curioso é que ele funciona bem tanto na seara da MPB - na supracitada "Beatriz" - quanto como músico pop. No DVD, dois bons exemplos são: "Signo de Ar" (parceria com Nico Rezende) e "Final Feliz" (já gravada pelo Só Pra Contrariar, com participação de ninguém menos do que o já mencionado Caetano), em que o aparentemente tímido Vercilo esquece um pouco o violão e evolui pelo palco.

Segundo: a crítica o acusa de ser (reparem o eufemismo) "excessivamente reverente" a Djavan - no timbre, maneirismos vocais, arranjos, batida de violão, etc. E o pior é que, ambos os casos... a bronca procede. Contudo, não se trata de questões que não possam ser reavaliadas. E corrigidas.

Não é o caso, portanto, de descredenciar o seu trabalho

Além de boa entrevista, making of, e delirante video release de Jorge Mautner, o DVD traz, nos extras, duas faixas bônus: "Abismo", dueto um tanto frio com Ana Carolina; e a descontraída "Pela Ciclovia", com participação de Leila Pinheiro (que a gravou em seu bom álbum Nos Horizontes do Mundo, 2005) e do craque Marcos Valle, parceiro de Vercilo na canção. O clipe dessa última foi gravado na praia do Leme, bairro natal do anfitrião.

Acredite: Ao Vivo pode até não ter munição para convencer aos detratores. Mas aos incrédulos, sim. E, pelo que se sabe, Vercilo é um sujeito batalhador, que lutou bastante para conquistar a notoriedade que hoje desfruta.

Mas a verdade é que ele poderia ir ainda mais longe.

Quer saber? Torço por ele.

Almir Sater e Renato Teixeira: vozes de um outro Brasil

CD 7 Sinais (Velas) e CD/DVD No Auditório Ibirapuera (Som Livre)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 133 (junho de 2007).



Os parceiros Almir Sater e Renato Teixeira prosseguem cantando as coisas da terra em seus novos trabalhos

Existe um Brasil bem diferente daquele que nós, moradores das grandes capitais, conhecemos - e que muitos, na verdade... nem conhecem. E esse outro Brasil é um lugar onde ainda se ouve a cigarra (e não tiros) anunciando o sol do dia seguinte e onde, pela manhã, o galo ainda canta - assim como os pássaros à tarde. Nesse país diferente, as pessoas não têm tanta pressa, conseguem sorrir e o mato... ainda cresce.

E essa terra é cantada com grande propriedade pelos notáveis (e parceiros) Almir Sater e Renato Teixeira, ambos com novos trabalhos: 7 Sinais (Velas) e No Auditório Ibirapuera (Som Livre), respectivamente.

7 Sinais é um álbum que traz dez faixas inéditas e autorais de Sater, onze anos depois de Caminhos me Levem, seu último disco. Em seu novo trabalho, além de exibir o virtuosismo de sempre nas dez cordas, o violeiro permanece fiel em cantar as coisas da terra. A letra de "No Rastro de Lua Cheia" (cujo co-autor é o próprio Renato) é a mais genuína poesia do campo:

No quintal lá de casa, passava um pequeno rio
que descia lá da serra, ligeiro e escorregadio.

A água era cristalina, que dava para ver o chão -
ia cortando a floresta, na direção do sertão.



A sanfona de Dominguinhos se faz presente na brejeira "Lua Nova". Outros pontos altos do disco são "Planície de Prata", "Horizontes" (outra parceria com Teixeira) e a instrumental "Pitiguyri", composta com Tavinho Moura.

Já Renato Teixeira, definido certa vez por Fábio Jr. como
"o maior poeta caipira desse país", revisa sua extensa trajetória em No Auditório Ibirapuera, editado também em DVD. O compositor consegue comover a platéia com canções como "Amora", "A Primeira Vez que Fui ao Rio" e a linda "Tocando em Frente", que recebeu ótimo registro na voz de Maria Bethania na década de 1990.

"Recado", sucesso de Joanna nos anos 80, é cantada solitariamente pela própria. Pena Branca, que fazia dupla com o finado Xavantinho, participa de "Quando o Amor se Vai". E "Frete", famosa como o tema da série Carga Pesada, tem como convidados Chitãozinho & Xororó. "Romaria", o maior êxito de sua carreira (célebre na voz de Elis Regina), encerra o espetáculo.

O DVD (o primeiro de Renato) apresenta seis faixas a mais do que o CD, entre elas a bela "Amanheceu, Peguei a Viola" (que se tornou conhecida como tema de abertura do extinto programa Som Brasil, apresentado por Rolando Boldrin) e "Um Violeiro Toca", co-escrita justamente com... Sater.

Almir Sater e Renato Teixeira são as vozes desse outro Brasil mais bonito e bem melhor para se viver. Esse país que nunca vai morrer.

Nando Reis grava ao vivo. De novo.

CD e DVD Luau MTV (Universal)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 133 (junho de 2007).



Ex-Titã realiza o seu terceiro trabalho de caráter retrospectivo em apenas seis anos

Menos de doze meses após o seu último trabalho, Sim e Não, Nando Reis, sempre acompanhado de sua banda Os Infernais, coloca no mercado Luau MTV (Universal). O repertório conta com canções do supracitado Sim e Não (como a delicada "Espatódea", "N" e a pop "Sou Dela"), alguns momentos de sua carreira solo ("Quem Vai Dizer Tchau?" e "A Minha Gratidão é uma Pessoa", lançada, na verdade, pelo Jota Quest) e uma inédita, a mediana "Tentei Fugir". "As Coisas Tão Mais Lindas", gravada originalmente por Cássia Eller, recebe, pela primeira vez, registro do autor.

A primeira música de trabalho é "A Letra A", faixa-título de seu álbum de 2003. Na ocasião de seu lançamento, a (boa) canção não foi trabalhada e recebe agora seu terceiro registro (já havia sido gravada no MTV Ao Vivo de Nando, 2004). O DVD será editado ainda esse mês.

Claro, não poderiam faltar os convidados - e Samuel Rosa foi deles. O líder do Skank faz um duo com Nando nas parcerias "Resposta" e "Eu e a Felicidade", ambas gravadas originalmente pelo grupo mineiro (sendo que esta última - faixa do bom CD Carrossel - jamais havia sido registrada pelo ex-Titã).

Andreas Kisser está em "Sua Impossível Chance" (a única canção do período Titãs que integra o set list) e na libidinosa "Monóico". Negra Li participa de "Negra Livre", composição de Nando que acabou batizando o segundo do disco da cantora. E na boa "Luz dos Olhos", o músico recebe a companhia de Andréa Martins, vocalista da banda baiana de rock alternativo Canto dos Malditos na Terra do Nunca.

Não resta dúvida de que Nando Reis é um bom compositor. Já escreveu canções de beleza indiscutível como "Por Onde Andei" e "Relicário", entre outras. Aliás, verdade seja dita, hoje ele é um artista mais relevante do que o seu ex-grupo. E Luau MTV, sem dúvida, é um trabalho bem bacana - suas composições se beneficiam bastante do formato acústico. Mas será que, estando com um ainda recente álbum de estúdio na praça - e que certamente não teve todas as suas possibilidades exploradas - era mesmo necessário realizar o terceiro trabalho de caráter retrospectivo em apenas seis (!) anos? Afinal, além do já mencionado MTV Ao Vivo, houve também Infernal, 2001, com sucessos gravados em estúdio.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O que será que detém o Lobão?

CD e DVD Acústico MTV (Sony BMG)
2007


Resenha publicada no jornal
IM - INTERNATIONAL MAGAZINE, edição nº 132 (maio de 2007).



Músico passa a limpo toda a sua (tortuosa) trajetória em surpreendente Acústico MTV

O inesperado acontece: Lobão, grande paladino do mercado independente nos últimos oito anos, edita o seu Acústico MTV, pela Sony BMG (!).

Como não poderia deixar de ser, a polêmica começou muito antes do lançamento do álbum. Tão logo foi feito o anúncio de que Lobão sentaria no banquinho da emissora paulistana, muitos estranharam a decisão do músico. E a imprensa, claro, não perdeu a piada - classificando-o até como um... cordeiro.

O grande questionamento era: depois de tanto vociferar contra a ditadura estética do jabá, imposta às rádios pelas grandes gravadoras e afirmar que certos artistas usam o acústico como um desfibrilador (para ressuscitar suas carreiras moribundas), o artista agora se rende às corporações? Mas o pior é que ele tem dois álibis.

Primeiro: fazer um acústico não é uma incoerência para quem, em 1993, percorreu o país apenas com um violão em punho, com o show Brasilis Erectus (que, lamentavelmente, jamais teve registro oficial), quando NINGUÉM ainda falava nesse formato. Segundo: ao que tudo indica, ele foi procurado para desenvolver esse projeto - e não o contrário. Lobão teria, inclusive, feito uma declaração bem a seu estilo: a indústria caiu de joelhos por mim. E essa afirmativa tem lá seu fundo de verdade: apesar dos entreveros, as multinacionais ainda tinham interesse no grande artífice que ele sempre foi.

Aliás, não fosse o brilhantismo de Lobão como autor de canções, certamente ele já teria sido pulverizado do mercado há muito tempo.

E não haveria pirotecnia que o salvasse.


Mistura homogênea de violência e candura

Isso, porque, no decorrer de sua fase independente, ele se esmerou em roubar o próprio show: o músico era muito mais comentado por suas ações políticas (contra os viciados esquemas de divulgação musical no Brasil) e por suas declarações pretensamente bombásticas - e, muitas vezes, infelizes - a respeito de nomes como Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil... do que pelo seu próprio trabalho. Nesse período, todos tinham conhecimento da mais recente polêmica do Lobão.

Mas poucos sabiam qual era a canção nova do Lobão.

E, durante todo esse tempo, o cara fez música. Aliás, boa parte do repertório do Acústico MTV, está focalizada no universo paralelo que ele criou longe do mainstream: de A Vida é Doce entram a furiosa El Dedichado II (que abre o disco como um... cartão-de-visitas) e Pra Onde Você Vai; e do recente Canções Dentro da Noite Escura, Você e a Noite Escura, a sombria balada A Gente Vai se Amar (com participação do Cachorro Grande) e Quente, poema de Julio Barroso (a grande promessa não-cumprida do rock nacional, devido a seu precoce desaparecimento, em 1984) que Lobão musicou.

Obviamente, ele incluiu sucessos que não poderia deixar de fora: a bela Essa Noite Não, Blá Blá Blá... Eu te Amo (parte da letra foi alterada com uma sutileza... britânica), Decadence Avec Élegance, Corações Psicodélicos (cantada de maneira propositadamente desleixada, zombeteira), Noite e Dia, Por Tudo o que For e, claro, o clássico Me Chama.

Com essa mistura homogênea de violência e candura, o lupino construiu um mosaico de sua carreira incrivelmente... coeso. E ainda deu-se ao luxo de deixar de fora Vida Bandida e Vida Louca Vida. Ele alegou que não encontrou boas soluções de arranjo nesse formato para ambas.


A intenção do cantor era fazer o melhor de todos os acústicos

Apresentando instrumentos como o banjo, a craviola e a viola caipira, o álbum (produzido pelo Ídolo Carlos Eduardo Miranda) apresenta arranjos muito elaborados - resta saber se Lobão irá excursionar com essa estrutura. Seis faixas contaram com a participação de um quinteto de cordas. E as que mais se beneficiaram desse auxílio luxuoso foram: A Vida é Doce (teve a sua carga dramática intensificada), a épica A Queda (de Nostalgia da Modernidade, um dos mais brilhantes - e menos ouvidos - álbuns já gravados nesse país) e a bachiana Vou te Levar, escolhida como a primeira faixa de trabalho.

Em relação a essa última, corrige-se agora uma grande injustiça: quando de seu lançamento, em 1999, a bela canção passou em brancas nuvens e agora obtém... boa execução radiofônica. Não, você não leu errado: depois de quase dez anos, Lobão está, sim, tocando nas rádios.

E é bem provável que, a essa altura, ele esteja dizendo: viram só? Isso corrobora a minha tese!

As grandes surpresas ficam por conta da estradeira O Mistério (parceria com Lulu Santos e Ritchie, composta ainda nos tempos do Vímana, mas que permanecia inédita até os dias atuais) e a boa versão de Bambino (Bambina), de Ronaldo Foi pra Guerra, 1984.

O DVD foi editado agora no início de maio e, além das 18 músicas do CD, apresenta três faixas bônus: Que Língua Falo Eu, Revanche e Chorando no Campo.

Com sua verve habitual, ele teria afirmado que queria fazer o melhor de todos os acústicos. Bem, é difícil apontar o melhor. Mas não há dúvida de que ele já conseguiu realizar, pelo menos, um dos melhores. Seguramente.

Espera-se que esse trabalho seja um marco na carreira do artista - e que, a partir de agora, o personagem Lobão fique em segundo plano. Claro, ele jamais se tornaria, publicamente, um indivíduo polido, diplomático - porque aí... deixaria de ser o Lobão, não é mesmo? Entretanto, em detrimento ao avatar, o músico bem que poderia ter um pouco mais de destaque.

O que seria melhor para todos.