domingo, 24 de janeiro de 2016

Da série ‘Discos para se Ter em Casa’: ‘MTV Unplugged’, de Eric Clapton



DVD /CD
MTV Unplugged (Warner)
1992 (versão Deluxe lançada em 2013)

Resenha publicada originalmente em janeiro de 2014 no TomNeto.com.


A reedição revista e ampliada de um clássico

Em 1992, Eric Clapton colhia os louros de sua faixa de maior êxito, o réquiem “Tears In Heaven” — composta em memória de seu filho Conor, que caiu de um prédio em Manhattan quatro anos de idade —, faixa que integrou a trilha sonora do filme Rush — Uma Viagem ao Inferno. E foi vivenciando o paradoxo entre o sucesso e a perda pessoal, que Clapton encarou o projeto MTV Unplugged, gravado em Londres. Confirmando o bom momento profissional do guitarrista inglês, o álbum, além de arrebanhar nada menos do que seis (!) Grammys, vendeu dez milhões de cópias somente nos EUA, tornando-se o seu título mais bem-sucedido comercialmente.

Embora tenha regravado “Tears In Heaven” e incluído uma (desfigurada) versão de seu clássico “Layla”, Clapton engendrou um repertório praticamente sem “concessões”. Ficaram de fora cavalos-de-batalha como “Wonderful Tonight” e “Bell Bottom Blues”, assim como regravações de sucesso como “Cocaine” (de J. J. Cale) e “I Shot The Sheriff” (Bob Marley).

Sendo assim, o guitarrista incluiu, entre outras, duas inéditas (“Lonely Stranger” e a instrumental “Signe”, que abre os trabalhos), além de duas faixas de seu (então) último álbum de estúdio, Journeyman [1989] (“Running On Faith” e “Old Love”). E, como não poderia deixar de ser, uma boa dose de covers de blues: de Bo Didley (“Before You Accuse Me”) a Muddy Waters (a improvisada versão de “Rollin' And Tumblin'” que encerra o espetáculo com descontração), passando, claro, pelo “patrono” do gênero, Robert Johnson (“Malted Milk” e “Walkin' Blues”).

No finalzinho de 2013, 21 anos após o seu lançamento, MTV Unplugged recebeu uma caprichada versão Deluxe, englobando CD — acrescido de um CD-bônus — e DVD, devidamente remasterizados, no mesmo box. Nos extras do DVD, a “cereja o bolo”: Clapton e banda repassam o set inteiro durante um ensaio, incluindo duas canções que acabaram incluídas da seleção final, “My Father's Eyes” e “Circus”.

Mesmo para quem já possui a versão original de 1992, o investimento vale a pena. E quem aprecia o trabalho de Eric Clapton, mas ainda não conhece esse álbum... não perca tempo. 




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Excluída do repertório do MTV Unplugged, My Father's Eyes” fala sobre o pai de Clapton, falecido em 1985, que o músico jamais conheceu. Lançada somente no (ótimo) Pilgrim, de 1998, ganhou o Grammy de Melhor Performance Vocal Masculina daquele ano:




Batizada inicialmente de “The Circus Left Town”, “Circus” também acabou ficando de fora do álbum — e, a exemplo de “My Father's Eyes”, também viu a luz do dia no supracitado Pilgrim. A letra menciona o último programa que Clapton fez com o filho — uma ida ao circo. Em uma de suas canções mais tocantes, o guitarrista finaliza: “Homenzinho, com seu coração tão puro / e o seu amor tão bom / fique comigo e eu passearei com você / até o fim do caminho. / Segure a minha mão e eu caminharei com você / através da noite mais escura. / Quando eu sorrir, estarei pensando em você / e tudo vai dar certo”:

‘Invisible’: o novo single do U2


Single digital
Invisible (Universal)
2014

Resenha publicada originalmente em janeiro de 2014 no TomNeto.com.



Quem também acaba de lançar música nova é o U2. Um vídeo de “Invisible” — a inédita em questão — com um minuto de duração foi apresentado no último domingo, 02, no intervalo da decisão do Superbowl. No dia seguinte, a banda disponibilizou a faixa para download gratuito no iTunes por 24 horas. 

Como era de se esperar, a vocação humanitária do quarteto se fez presente: a cada cópia baixada, o Bank of America, patrocinador da empreitada, destinava um dólar para a ONG Red, que angaria recursos para combater a aids, a tuberculose e a malária.

Produzida por Danger Mouse — metade da dupla Gnarls “Crazy” Barkley —, “Invisible” apresenta o som “clássico” do U2, com discretos sequenciadores que remetem o ouvinte a Achtung Baby e a Pop, álbuns de 1991 e 1997, respectivamente. A letra, clara e objetiva, fala sobre profundas mudanças internas (“Não vou ser o filho do meu pai”). Sobre... superação. E “renascimento”. 

Contudo, não há informação de que a faixa é uma prévia do novo disco dos irlandeses, ainda sem título, cujo lançamento está agendado para o verão europeu. Em recente entrevista a uma emissora de rádio, o vocalista Bono não escondeu a sua insegurança em relação à “relevância” do grupo nos dias atuais.

O mais recente trabalho de inéditas do U2, o razoável No Line On The Horizon, foi lançado em 2009.



Veja o vídeo oficial de “Invisible:


‘Sócio do Amor’: a música nova de Lulu Santos


Single digital
Sócio do Amor (Sony Music)
2014

Resenha publicada originalmente em dezembro de 2013 no TomNeto.com.



Ensolarada (e libertária) canção pop com a inconfundível assinatura melódica de Lulu Santos — e com um leve acento eletrônico —, a inédita “Sócio do Amor” foi disponibilizada em versão digital no iTunes pelo músico carioca no finalzinho de 2013. A faixa já havia sido executada por Lulu na última edição do programa The Voice Brasil, do qual era um dos jurados.

Não há, entretanto, nenhuma confirmação de que a faixa integrará o novo trabalho de estúdio do cantor — pronto há quase dois anos (!) —, ou quando o mesmo verá a luz do dia.

Tendo completado 60 anos de idade em 2013, o autor de “Como Uma Onda” adiou o lançamento de seu supracitado álbum de inéditas em função do box comemorativo de seus 30 anos de carreira discográfica, Toca Lulu [2012] — que, por sinal, dá nome à turnê com a qual o músico tem percorrido o país —, e do projeto Lulu Canta e Toca Roberto e Erasmo, editado em maio do ano passado.



Ouça “Sócio do Amor:


Roberto Carlos ‘na pista’



EP
Remixed (Amigo Records/Sony Music)
2013

Resenha publicada originalmente em dezembro de 2013 no TomNeto.com.


Anunciado em dezembro de 2012 como um CD completo, Remixed chega às prateleiras como EP de cinco músicas — repetindo o formato de Esse Cara Sou Eu, que obteve estrondoso sucesso no ano passado. Essa, aliás, não foi a única modificação: o (espirituoso) título inicial, Reimixed, acabou sendo alterado, provavelmente pelo fato de que, em 52 anos de carreira, nenhum trabalho de RC foi batizado com qualquer menção à palavra “rei”.

Os remixes de “Fera Ferida”, “Se Você Pensa”, “O Portão”, “É Preciso Saber Viver” e “É Proibido Fumar” “respeitam” as gravações originais — com destaque para o primeiro, assinado pelo experiente DJ Marcelo “Memê” Mansur [saiba mais aqui]. E, se não são exatamente brilhantes, também não comprometem. E atestam a versatilidade das canções de Roberto & Erasmo.

No mais, fica a impressão de que os remixes já haviam sido gravados há algum tempo, pelo fato de  ao contrário das faixas eletrônicas do novo CD de Paul McCartney —, não soarem propriamente “modernos”. E um certo “conservadorismo” também se faz notar na capa, que segue o padrão habitual dos discos de RC.  

A bem da verdade, Remixed apenas cumpre o papel de oferecer ao público um produto “novo” de Roberto Carlos para as vendas de Natal, considerando que o aguardado disco de inéditas do cantor — o primeiro em dez anos (!) — foi novamente adiado. Três prováveis motivos: a atribulada agenda de shows do artista; o seu perfeccionismo extremo; o fato de não desejar editar um novo álbum justamente em um ano 13...



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Ouça o remix do DJ Felipe Venâncio para “O Portão”, faixa lançada originalmente em 1974:

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O triunfal retorno dos Rolling Stones ao Hyde Park



Blu-Ray/ DVD /CD
Sweet Summer Sun: Hyde Park Live (Eagle Rock)
2013

Resenha originalmente publicada em dezembro de 2013, no TomNeto.com.



Banda inglesa lança mão de seu arsenal de clássicos para uma plateia sempre ávida para ouvi-los


Em 2013, exatos 44 anos após a histórica apresentação — registrada no DVD Stones In The Park — em memória de Brian Jones, um dos fundadores do grupo, os Rolling Stones fizeram o seu retorno triunfal ao Hyde Park londrino em dois espetáculos. A versão áudio foi lançada no dia 22 de julho, exclusivamente em formato digital, através do iTunes. Já a versões Blu-Ray, DVD e CD duplo chegaram ao mercado no final de novembro, sob o título Sweet Summer Sun: Hyde Park Live — porém, ainda sem lançamento nacional.

Novidades? Apenas a (boa) “Doom And Gloom”, uma das duas inéditas da compilação Grrrr, editada em 2012. Mas... quem se importa? A exemplo de Paul McCartney e Bob Dylan, os Stones possuem um vasto arsenal de clássicos — e um público sempre ávido para ouvi-los. 

A audiência, aliás, é peça-chave em Sweet Summer Sun. Na competente filmagem estilo concert film, a plateia aparece tanto quanto os próprios músicos. Sendo assim, é possível observar pessoas de todas as idades, absolutamente extasiadas com a performance irrepreensível da Maior Banda de Rock And Roll do Mundo.

A infalível “Start Me Up” abre os trabalhos, seguida por “It's Only Rock N'Roll (But I Like It)”. No telão, a menção respeitosa a figuras mitológicas do rock e dos blues, como Chuck Berry, B. B. King e Jerry Lee Lewis, entre outros. Resultado: já na segunda música, a turba estava “na mão” dos Stones. E com justiça: afinal, pela música e por todo o aparato, trata-se de um dos maiores espetáculos da Terra. 

A banda continua afiada como sempre. Mas é impossível não destacar a (sobrenatural) atuação de Mick Jagger. Aos 70 anos de idade, correndo por um palco gigantesco durante duas horas, ele não deixa transparecer, em momento algum, qualquer limitação física imposta pelo peso dos anos. E continua sendo o frontman impecável que todos conhecemos. Com o deboche habitual, não perdeu a chance de usar novamente, em “Honk Tonk Women”, a mesma bata — de senhora (!) — que vestiu no lendário show de 1969

Um dos pontos altos da apresentação é a épica “You Can't Always Get What You Want”, que, graças a um coral de 24 vozes (!), tem recriada a atmosfera gospel da gravação original, do álbum Let It Bleed, de 1969. E, claro, a participação do guitarrista Mick Taylor no blues “Midnight Rambler” — “duelando” com a harmônica de Jagger —, e no apoteótico final de “(I Can't Get No) Satisfaction”. Músico versátil e de técnica apurada, Taylor ingressou no grupo em 1969, substituindo o supracitado Brian Jones, e permaneceu até 1974.

Os Rolling Stones não pensam em aposentadoria. Aliás, prosseguem na turnê comemorativa de seus 50 anos de carreira, com datas agendadas na Austrália e na Ásia. Há, portanto, uma enorme probabilidade de a banda editar mais um audiovisual em 2014. Contudo, se os Stones decidissem não lançar mais nada, Sweet Summer Sun: Hyde Park Live teria sido um desfecho memorável para a sua brilhante trajetória.




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Veja o vídeo de “Jumpin' Jack Flash”, no qual — com o perdão do trocadilho infame — os Stones não deixam pedra sobre pedra:

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Não foi por acaso que Paul McCartney batizou seu novo álbum de ‘New’



CD
New (Universal Music)
2013

Resenha publicada originalmente em novembro de 2013 no TomNeto.com.



Sob a batuta de quatro (!) jovens produtores, ex-Beatle ‘atualiza’ o seu som


Embora não tenha parado de excursionar ao redor do planeta — e tenha lançado em 2012 o sofisticado Kisses On The Bottom, disco de standards americanos da década de 1930 e 1940 —, o mais recente trabalho de inéditas de Sir Paul McCartney, o bom Memory Almost Full, fora lançado em 2006. Após seis anos, o baixista ressurge com New, gravado entre Londres e Los Angeles, em cinco estúdios.

As sessões de New tiveram a particularidade de terem sido pilotadas por quatro (!) jovens produtores: Ethan Johns, produtor do Kings of Leon e filho de Glyn Johns, engenheiro de som que trabalhou em discos dos Beatles e dos Wings; o DJ Mark Ronson, responsável pelo ótimo Back to Black, de Amy Winehouse; Paul Epworth, um dos produtores do cavalo-de-vendas 21, de Adele; e Giles Martin, filho de ninguém menos do que o eterno produtor dos Beatles, Sir George Martin. Em entrevistas recentes, McCartney explicou que tentou trabalhar com profissionais diferentes justamente para ver qual deles mais o agradava. E acabou gostando de todos.

As oito mãos que produziram o álbum construíram uma sonoridade, com o perdão do trocadilho, “renovada”, contemporânea para as doze faixas — quatorze na versão Deluxe — que compõem o trabalho. E indicam que o ex-Beatle, embora orgulhoso de sua (soberba) trajetória, não deseja se tornar, musicalmente, “uma relíquia do passado”. Traduzindo: aos 71 anos, Paul ainda está “na pista”. E a ação do tempo em sua voz é perceptível somente em alguns momentos de uma única faixa, a nostálgica — e tocante — balada country “Early Days”.  



‘Moderno’, mas sem se ‘desvirtuar’

As guitarras da introdução de “Save Us”, pulsante pop rock que abre a bolacha, fazem com que o ouvinte se pergunte se realmente colocou o “disco certo” para tocar. Até que uma voz para lá de familiar coloca as coisas nos seus devidos lugares.

Sons eletrônicos caracterizam “Road”, a ousada Appreciate” eLooking At Her” — e remetem ao ótimo Electric Arguments [2008], fruto de seu projeto paralelo The Fireman —, mas sempre com muito critério, sem jamais “desvirtuar” a essência da musicalidade de McCartney.

E o autor de “Silly Love Songs”, que domina como poucos os cânones da canção pop, continua hábil em criar melodias assobiáveis com a naturalidade de quem bebe um copo d'água. Ótimos exemplos são “On My Way To Work”, a maravilhosa “Alligator”, “I Can Bet” e a melancólica balada acústica “Hosanna”.

A primeira música de trabalho foi a infecciosa faixa-título, que simplesmente nasceu clássica. E que é fortíssima candidata a integrar qualquer futura coletânea do músico.

New está no (bom) nível dos trabalhos de Paul McCartney nos últimos 20 anos — seu último disco mediano, Off The Ground, foi lançado exatamente em 1993. Só nos resta, portanto, agradecer pelo simples fato de ele estar... vivo. E continuar nos brindando com a sua imorredoura música.



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Para o vídeo de “Quennie Eye”, segundo single de New, McCartney recrutou um verdadeiro exército de celebridades. Dá até para brincar de adivinhar os figurões: Johnny Depp, Meryl Streep, Sean Penn, Jeremy Irons, Jude Law, Kate Moss... E vale frisar que “Quennie Eye” é o nome de uma brincadeira que era muito popular em Liverpool, durante a infância de Paul:





A improvisada versão acústica de “New” — com direito a um belo arranjo vocal dos quatro (felizardos) membro de sua banda —, escancara a habilidade do ex-Beatles em engendrar melodias memoráveis. Vale a pena conferir:


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em ‘The Last Ship’, Sting ‘navega’ distante do pop


CD
The Last Ship (Cherrytree/Interscope/A&M Records)
2013


Resenha publicada originalmente em setembro de 2013, no TomNeto.Com.



Ex-Police edita o seu primeiro álbum de inéditas em uma década

Nos últimos dez anos, até que Sting trabalhou um bocado. Em 2004, lançou a sua (excelente) autobiografia, Fora do Tom, e rodou o mundo até o ano seguinte com a turnê batizada com o nome do livro (Broken Music). Em 2006, na companhia do músico bósnio Edin Karamazov, editou Songs From The Labyrinth, o disco de alaúde mais vendido de todos os tempos. Entre 2007 e 2008, realizou uma (surpreendente) turnê mundial ao lado do Police, que acabou gerando CD/DVD/Blu-ray ao vivo, Certifiable. Já em 2009, deixou a barba crescer e lançou o belo e introspectivo If On a Winter's Night..., composto apenas  por canções invernais. Por fim, em 2010, acompanhado por uma orquestra sinfônica, releu o seu cancioneiro em Symphonicities, que também gerou o audiovisual ao vivo Live In Berlin. Entretanto, apenas de tanta labuta, o fato é que o último disco de inéditas do baixista — o bom Sacred Love — chegou às prateleiras em 2003. Há exatos... dez anos (!).

Rompendo o silêncio autoral, Sting — após um processo criativo que lhe rendeu quase três anos (!) de “imersão” — ressurge com The Last Ship, lançado mundialmente hoje, 24 de outubro de 2013. O trabalho, na verdade, é a trilha sonora do musical homônimo, que marcará a sua estreia na Broadway. O tema do espetáculo é a derrocada da indústria naval de Newcastle, sua cidade natal, situada ao norte da Inglaterra, ocorrida na década de 1980. E, embora a peça só entre em cartaz em 2014, o músico, com astúcia, lançou o disco um ano antes, para que o público se “familiarizasse” com as canções — a maior parte delas, de uma forma ou de outra, fala sobre rios, marés, barcos e quetais.

Ambicioso, o álbum está disponível em quatro formatos: CD simples, vinil — ambos com 12 faixas — e CD duplo com 17 ou 20 músicas.



Nenhum sinal do autor de ‘If I Ever Lose My Faith In You’ 

Primeiramente, é essencial frisar que, em The Last Ship, não há o mais remoto vestígio do pop de “If I Ever Lose My Faith In You” ou “Every Breath You Take”. Sendo assim, é recomendável que aqueles que procuram essa faceta do artista mantenham distância segura deste trabalho. O Sting que se faz presente se assemelha, na verdade, ao autor das bucólicas “Fields Of Gold” [1993] e “The Ghost Story” [1999].

Musicalmente, contudo, o disco é bem variado. A épica faixa-título, que abre os trabalhos, apresenta clara influência celta, com direito, inclusive, a gaita de fole — e o instrumento, por sinal, volta a aparecer em “Ballad Of Great Eastern” e na também celta “What Have We Got?”, dueto com o ator-cantor inglês Jimmy Nail. Curiosamente, em vários momentos do álbum, Sting, pela primeira vez em toda a sua discografia, evoca o sotaque típico de Newcastle — o chamado Novocastrian.

No quesito letra, o compositor continua afiado. O acalanto “August Winds”, estruturado em um violão de nylon, remete aos questionamentos dos versos de “Shape Of My Heart” [1993] — inclusive, volta a falar em “máscara”. Já a valsa (!) “The Night The Pugilist Learned How To Dance” é de cortar o coração: conta a estória de um jovem pugilista de 15 anos — com seu “nariz quebrado” e “orelha de couve-flor” — que decide aprender a dançar para conquistar a sua amada. Cole Porter provavelmente aprovaria.

Outro grande momento é a delicada-porém-impactante “I Love Her But She Loves Someone Else”, em que o eu-lírico é um homem de idade avançada que, confrontado com a perspectiva de sua “mortalidade”, relembra o passado e seus revezes. E conclui: “Esqueci o primeiro mandamento do manual do realista: ‘Não se deixe enganar por ilusões que você mesmo criou’...”.



Do início ao fim, alto nível lírico e musical

A primeira faixa de trabalho foi a minimalista “Practical Arrangement”, possivelmente uma das menos óbvias letras românticas já escritas no cancioneiro popular mundial. Já o segundo single de trabalho é a (espirituosa) bossa nova “And Yet”, que conta com discretas (e precisas) intervenções de seu fiel escudeiro, o guitarrista Dominic Miller. Trata-se da melhor música do disco.

Ainda que um tanto hermético, o trabalho mantém, do início ao fim, alto nível lírico e musical. E reafirma que, artisticamente, o único “compromisso” do ex-Police, prestes a completar 62 anos de idade — e ainda com a voz “em dia” — é consigo próprio. Vale lembrar, no entanto, que The Last Ship é uma trilha sonora. Portanto, seria agradável ouvir, depois de tanto tempo, um disco com canções de Sting que não estivessem “vinculadas” a uma determinada temática.



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Veja o vídeo da bossa nova “And Yet”, segundo single de The Last Ship, extraído do programa Later... with Jools Holland...





...e também da magnífica valsa (!) “The Night The Pugilist Learned How To Dance”, em vídeo extraído do programa Le Grand Studio, da TV francesa RTL:


Jefferson Gonçalves faz o rio Mississipi desaguar no sertão



Resenha publicada originalmente em agosto de 2013, no TomNeto.Com.



CD/DVD
Encruzilhada — Ao Vivo (independente)
2013


O gaitista carioca dá continuidade à sua mistura de blues com ritmos regionais brasileiros


Dois anos após o seu mais recente trabalho, Encruzilhada, Jefferson Gonçalves reaparece com um novo álbum. Lançado de maneira independente, Encruzilhada — Ao Vivo, gravado no Centro Municipal de Referência da Música Carioca Artur da Távola, chega às prateleiras em um caprichado box contendo CD e DVD.

No repertório, composições autorais de Jefferson, como “Ar Puro”, “Teto Preto” e “Café Expresso”, que dão continuidade à instigante mistura de blues com ritmos regionais brasileiros, como o xote e o baião.

Entretanto, o músico não deixa de incluir sons do delta do Mississipi, como “CatFish Blues”, de Muddy Waters, e “Mellow Down Easy”, de Willie Dixon, além do clássico “All Along The Watchtower”, de Bob Dylan, imortalizado na versão de Jimi Hendrix. Destaque também para “Crossroads”, daquele é considerado “o papa” do gênero, Robert Johnson, em uma clara alusão ao título do álbum.

Com 23 anos de carreira, Jefferson Gonçalves mostra, em Encruzilhada — Ao Vivo, toda a originalidade da música instrumental brasileira. Vale a conferida.